Educação médica pré-graduada: um olhar sobre o futuro
Todos os anos, centenas de médicos ficam sem acesso à especialidade. Se a isto juntarmos os novos desafios que a Medicina do futuro trará, facilmente depreendemos a necessidade de maior diversificação curricular.
O mote para este artigo parte de um outro que terminava assim: “Os estudantes de Medicina de hoje são os médicos/as que irão tratar as epidemias de amanhã. Nos seus ombros repousa o desejo e o dever de se preparar para esse efeito”.
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O mote para este artigo parte de um outro que terminava assim: “Os estudantes de Medicina de hoje são os médicos/as que irão tratar as epidemias de amanhã. Nos seus ombros repousa o desejo e o dever de se preparar para esse efeito”.
Já passou mais de um ano desde que a pandemia por covid-19 atirou milhares de estudantes de Medicina para casa, retirando-nos do nosso palco natural de aprendizagem – ao lado dos doentes. Felizmente, desde o início deste ano lectivo foi possível retomar o ensino clínico presencial. Contudo, a pandemia atingiu o ensino médico numa fase particularmente débil: por um lado, o elevado número de clausus e a saída de especialistas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) têm impedido a manutenção de rácios tutor-estudante que garantam a qualidade do ensino; e, por outro, a opção por currículos anacrónicos tem impedido que os estudantes sejam devidamente preparados para o seu futuro.
Por isso, é importante que façamos desde já uma reflexão sobre que ensino médico queremos para o pós-pandemia e se a normalidade prévia será a ideal para o futuro.
O aspecto mais fulcral é a forma como encaramos o papel do estudante no meio clínico: os estudantes de Medicina devem fazer parte das equipas de saúde. Os role models são importantes para o estudante criar referências de actuação perante o doente e de interacção com outros profissionais. Actualmente, não existem.
Trazer de volta este modelo de aulas práticas clínicas assentes numa aprendizagem tutorada, longitudinal no tempo permitiria estimular a aprendizagem activa por parte do estudante e responsabilizá-lo mais pelo próprio caminho. Para além disso, vários estudos reportam que os doentes sentem o ambiente hospitalar mais confortável e amigável na presença destes.
Por outro lado, a experiência da pandemia trouxe-nos as plataformas e conhecimento necessário para poder abordar o ensino teórico através do online e, acima de tudo, os estudantes estão satisfeitos com esta solução e a maioria prefere métodos mistos, referindo que estes poderão ser a hipótese ideal para o pós-covid-19. As aulas teóricas com alguém a debitar 60 slides em 45 minutos num anfiteatro estão mortas e é importante não voltar a estes modelos como regra universal.
Metodologias de blended e e-learning permitem a flexibilidade, conveniência e facilidade no acesso à informação, aspectos que podem solucionar alguns dos problemas actuais, nomeadamente libertando os assistentes desta carga horária e permitindo aos estudantes maior espaço de manobra no horário semanal para a prática clínica tutorada. Para além disso, aulas de discussão de casos clínicos podem passar a ser dadas por profissionais que trabalhem em instituições mais periféricas, criando-se um mercado de oportunidades para profissionais que optem por uma carreira nestas zonas sem que isso os impeça de exercer o ensino médico.
Todos os anos, centenas de médicos ficam sem acesso à especialidade. Se a isto juntarmos os novos desafios que a Medicina do futuro trará, facilmente depreendemos a necessidade de maior diversificação curricular.
A formação pré-graduada deve trabalhar para proporcionar um ambiente que estimule o estudante a explorar os próprios interesses, seja através do estabelecimento de parceiras com a indústria, das cadeiras optativas, MOOC, possibilidade de realizarem mais ECTS ou da sua aproximação aos centros de investigação.
Aproveitemos o potencial destas gerações e comecemos já a preparar o futuro.