Dar um tempo antes de começar a aula
Ao contrário do que possa parecer os benefícios não são só para os miúdos. Os próprios professores vão sentir mais calma, mais paciência, e terão de se chatear e irritar muito menos.
Querida Ana,
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Querida Ana,
Nas minhas sessões de escola online por entrepostos oito netos, vi uma professora fazer uma coisa que me parece fantástica: antes de começar a aula propriamente dita, reservava um espaço para os miúdos falarem de si, ou do que lhes apetece durante um bocadinho. O que reparei foi que depois passava ao “trabalho” com muito mais calma, e com muito menos interrupções. Pareceu-me que mesmo agora que yupi, yupi, pelo menos os mais novos voltaram de corpo e alma à escola, era uma boa técnica. Se calhar estou a contar ao Pai Nosso ao vigário...
Seja como for, fez-me lembrar que quando tinha 15 ou 16 anos e dava aulas de catequese a crianças de seis ou sete anos, ali na zona da Madragoa, os miúdos chegavam directamente de escolas sem recreio, como eram algumas das “primárias” no centro de Lisboa, e rapidamente percebi que vinham tão agitados que não havia hipótese de ouvirem fosse o que fosse. Ainda hoje me rio quando me lembro de uma mãe de gémeos que, ouvindo a voz dos filhos, lá de fora do banco onde esperava, abria a porta, entrava pela sala adentro sem uma palavra, esbofeteava cada um dos filhos e saia sem que eu conseguisse dizer fosse o que fosse. Em vão lhe tentava explicar, mais tarde, que eles eram muito bem-educados, estavam só a falar alto com a excitação, mas nunca a consegui convencer.
Voltando ao cerne da questão: intuitivamente pareceu-me que precisavam de se mexer, e passei a fazer dez minutos de ginástica antes de começar — devias ter visto a cara do senhor prior quando um dia nos veio visitar e deu com nove ou dez crianças a fazerem o pino contra a parede! Mas a verdade é que funcionava.
Muitos anos depois ouvi muitas vezes o Eduardo Sá e o Carlos Neto a explicarem que obrigar as crianças a ficar quietas numa aula — “Não mexas no lápis”, “Está sossegado na cadeira”, “Pára lá de abanar as pernas” — é querer que não aprendam. O cérebro ocupado a dizer às mãos, aos pés e às pernas para ficarem sossegadinhos, boicota a sua capacidade de se concentrarem e memorizarem alguma coisa. Acredito que os professores que percebem isto, não interpretam o movimento dos miúdos como uma insubordinação.
Dá-me notícias.
Querida mãe,
É verdade que há professores que o fazem e fazem-no tão bem, que ignoram a ideia disparatada de que esses tempos de acolhimento são para “o jardim-de-infância”, e que empurram as cadeiras para um lado, aproximam-se dos alunos e contam-lhes e ouvem histórias! Dos livros, uns dos outros. Que não se deixam envolver na ansiedade da “eficiência a todo o custo”, querendo avançar desenfreadamente pelas páginas do manual como se houvesse algum benefício em chegar ao fim depressa sem se desfrutar do caminho. Que sabem que esse tempo pode parecer “pouco e inútil” aos adultos mais desatentos, mas que lhes permitirá ter menos conflitos entre alunos, mais coesão do grupo, e, conhecendo cada um deles melhor, mais capacidade de escolher as ferramentas para os ajudar a superar as dificuldades.
Ao contrário do que possa parecer os benefícios não são só para os miúdos. Os próprios professores vão sentir mais calma, mais paciência, e terão de se chatear e irritar muito menos. Porque sempre que estamos “cativados” pelos nossos alunos (para citar O Principezinho), tudo nos dá mais prazer e, de repente, já não é “o professor” contra os alunos, contra o ministério e contra os pais. São os professores e os alunos em conjunto. E colados aos alunos vêm sempre os pais que sentido os seus filhos bem, relaxam e recolhem as garras. E com essa equipa infalível até qualquer luta contra o ministério será mais fácil e mais bem-sucedida. Tudo porque se deu tempo antes de começar uma aula… Parece mentira, mas é verdade!
No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.