Em busca do centro num grande dormitório

Durante anos, fracos planeamentos urbanísticos foram distanciando pessoas, principalmente em comunidades periféricas. São Marcos é exemplo disso. Porém, existem planos para contrariar esta tendência na freguesia e já estão a ser postos em prática.

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JFF Jose Fernandes/arquivo

“O centro?”, devolveu intrigada uma moradora de São Marcos, uma cidade-dormitório de altos prédios em Agualva-Cacém (Sintra). “Isso para mim é muito vago. Não há um centro aqui”, respondeu.

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“O centro?”, devolveu intrigada uma moradora de São Marcos, uma cidade-dormitório de altos prédios em Agualva-Cacém (Sintra). “Isso para mim é muito vago. Não há um centro aqui”, respondeu.

Em busca do coração daquela localidade, o PÚBLICO continuou à procura de indicações. Questionado um trabalhador na rua, depois de um compasso de espera para pensar, a resposta surgiu: “Não lhe sei dizer. Mas pergunte ali à polícia que ela saberá melhor que eu”. A agente da polícia, que se encontrava a poucos metros, não deixou dúvidas. “Centro não há. Não há uma praça central. No máximo é ali no meio dos prédios”, riu-se.

Depois de várias tentativas sem sucesso, percebe-se que não existe uma resposta concreta. A justificação para isto é simples. Não existe centro em São Marcos. A povoação não está organizada dessa forma. O vulgar centro urbano, onde os habitantes podem ter acesso aos mais variados serviços e ter um ponto de encontro com os restantes moradores, aqui parece não existir.

“Faltam muitos serviços cá. Temos supermercados, farmácias, centro de saúde e a loja do chinês. Mas para irmos ao banco temos de nos deslocar até Oeiras, Massamá, por aí”, contou Luísa Bicas, habitante em São Marcos há mais de 18 anos.

Na opinião de Luísa existe muito a fazer naquela localidade. Para além da inexistência de alguns serviços, muitos deles encontram-se espalhados por um território que ainda é algo vasto mas onde a urbanização em altura é densa. O que para Luísa acaba por ser mais um problema. “Aqui as pessoas preferem deslocar-se de automóvel e não a pé. Os serviços não são próximos o suficiente e depois isso vê-se no número de pessoas que anda de carro na rua”, diz.

 “Não se vê pessoas a andar em São Marcos. Não há cá grandes zonas para andar a pé. Tem de se ir para o outro lado. Para andar livremente, só na zona de Oeiras”, explica Luísa.

A localidade marca o fim do concelho de Sintra na fronteira com Oeiras. Colada a uma das estradas com mais movimento da capital, a IC19, isto acaba por se repercutir no tráfego rodoviário da zona. Entre inúmeras rotundas, cruzamentos e entroncamentos percebe-se a predominância dos carros, e é pouca a vivalma que se vê na rua. “Vê-se gente na rua a tratar dos seus assuntos do dia-a-dia, mas não se vê muita gente a caminhar e a usufruir da cidade só porque sim”, diz a moradora.

Numa localidade onde dominam grandes blocos de apartamentos, uma considerável zona industrial e terrenos baldios, fica a ideia de um fraco aproveitamento de espaço e planos urbanísticos que zelem pela proximidade daquela comunidade.

Ao PÚBLICO, o presidente da Junta de Freguesia de Cacém e São Marcos, Paulo Adrego, diz ter noção das características e falhas daquela malha urbana. Porém, indica que estão em marcha ideias para melhorar a qualidade de vida dos fregueses. “Temos alguns projectos em vista. Estamos a requalificar as zonas verdes para dar maior qualidade de vida às pessoas e estamos a aumentar o espaço de estacionamento para os moradores.”

Contudo, Paulo Adrego admite que pôr em prática estes projectos não é fácil. “Os terrenos que estão livres, e que poderiam ser utilizados para construção, não são propriedade da Câmara Municipal de Sintra. São de privados. Isto implica sempre expropriação, negociação com os herdeiros, e tudo isso dificulta muitas vezes a execução de projectos”

Tal como explicou ao PÚBLICO o docente em Planeamento Regional e Urbano da Universidade de Aveiro, José Carlos Mota, a proximidade das comunidades em zonas periféricas é algo fulcral e aparenta estar em défice. São Marcos ilustra-se como um claro exemplo dessa ausência de conectividade urbana e distanciamento da população.

Luísa Bicas chega a definir a zona onde vive como uma “autêntica cidade dormitório”. “As pessoas saem de manhã para ir trabalhar, e aí vê-se mais movimento. Mas depois só regressam à noite para vir dormir”, conta.

O presidente da freguesia concorda. “Nós temos em São Marcos efectivamente uma zona de dormitório. É uma urbanização com menos de 30 anos e de facto instalaram-se ali famílias que trabalham em toda a Área Metropolitana de Lisboa.”

Com uma zona industrial significativa e a proximidade do Tagus Park, em Oeiras, muitas famílias instalaram-se em São Marcos, contribuindo para uma elevada densidade populacional. Porém, grande parte da população pouco usufrui do local de residência pois está o dia todo ausente.

São Marcos faz parte da décima maior cidade do país em termos populacionais, e como tal, é urgente pôr em prática medidas que permitam “humanizar” a freguesia e melhorar a qualidade de vida da população.

Nesse sentido, Paulo Adrego conta que no próximo dia 10 de Julho, dia em que se comemora os 20 anos da elevação de Agualva-Cacém a cidade, “será feita uma conferência, onde vão estar arquitectos e paisagistas urbanísticos para abordar todos os problemas inerentes a esta área urbana.”

Mas ainda há um longo caminho a percorrer para “encontrar o centro” da questão e organizar urbanisticamente uma povoação que se quer mais próxima, mais humanizada.

Texto editado por Ana Fernandes