Um quebra-cabeças no túmulo de D. Pedro
Restauro da arca tumular do rei português, uma das mais espectaculares da Europa medieval, está prestes a entrar numa nova fase.
Acabado de limpar, o túmulo de D. Pedro I parece ainda mais uma peça de ourivesaria feita de pedra. São agora especialmente evidentes a delicadeza dos caracóis dos anjos e das penas das suas asas, o drapeado do vestido de D. Inês de Castro nas cenas representadas nas Rodas da Fortuna e da Vida ou as rugas na testa de um demónio num dos segmentos que contam a vida de S. Bartolomeu.
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Acabado de limpar, o túmulo de D. Pedro I parece ainda mais uma peça de ourivesaria feita de pedra. São agora especialmente evidentes a delicadeza dos caracóis dos anjos e das penas das suas asas, o drapeado do vestido de D. Inês de Castro nas cenas representadas nas Rodas da Fortuna e da Vida ou as rugas na testa de um demónio num dos segmentos que contam a vida de S. Bartolomeu.
Terminados os primeiros trabalhos nesta arca tumular com 650 anos, uma das jóias da escultura do Mosteiro de Alcobaça, é tempo de esperar pelo relatório do conservador restaurador deles encarregado, André Varela Remígio, e de começar a planear a fase seguinte.
Remígio removeu todos os vestígios de silicone deixados por um molde do túmulo feito para uma exposição na Europália, em 1991, vestígios esses que estavam a corroer a pedra ao permitir que a água se acumulasse, e retirou boa parte das argamassas que cobriam o buraco nele aberto, segundo a tradição local, pelos franceses que ocuparam o mosteiro na Guerra Peninsular (1807-1814).
O que agora se vê neste segmento é a alvenaria composta por fragmentos do próprio túmulo, interligados por uma argamassa de cal e areia que terá sido feita logo a seguir à vandalização, explica Ana Pagará, que dirige o mosteiro há seis anos. “Sem as outras argamassas a cobrir o rombo conseguimos agora identificar volumes de figuras e arquitecturas que acreditamos serem do próprio túmulo”, diz a conservadora, adiantando que pediu ao director-geral do Património Cultural, Bernardo Alabaça, que autorize a retirada destes fragmentos para com eles tentar reconstituir “o possível”.
“Sabemos que vai ser como montar um quebra-cabeças e que não conseguiremos pô-lo como era no original, mas vamos tentar recuperar o que for possível recuperar do que se perdeu quando partiram a pedra.”
Acrescenta a directora do Mosteiro de Alcobaça que, antes de serem retiradas as argamassas, foi feito um scan a laser do túmulo por uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e que, “eventualmente”, se realizará em seguida um levantamento fotogramétrico dos fragmentos (técnica baseada na medição de dimensões através de fotografias e que assenta na observação do mesmo objecto a partir de vários ângulos).
Foram também recolhidas várias amostras de pedra e de argamassas que serão analisadas na Universidade Nova de Lisboa. “Queremos saber se a arca é feita da chamada pedra de Ançã, um banco de calcário da zona de Coimbra que estava reservado à família real”, diz Ana Pagará, garantindo que os estudos e análises se vão ficar pelo exterior do túmulo, ao contrário do que está a acontecer no de D. Dinis, avô de D. Pedro, no Mosteiro de Odivelas: “A nossa intenção é parar na arca. Sabemos que no interior há uma cofragem de madeira, mas não espreitámos para além disso, não está prevista nenhuma intervenção como a de Odivelas.” A arca tumular de D. Dinis foi aberta recentemente e o seu conteúdo está a ser analisado por uma equipa multidisciplinar.
O estudo que Ana Pagará tem previsto iniciar em breve ficar-se-á pelo exterior, mas também envolve investigadores de várias áreas do conhecimento, portugueses e estrangeiros, e vai abranger tanto o túmulo de D. Pedro I como o de D. Inês, a dama galega que o rei escolheu para sua mulher e que quis ver coroada no Mosteiro de Alcobaça.