Receita para apoiar retoma assenta no adiamento de impostos

Governo anuncia ajuda às empresas de 7100 milhões de euros, dos quais 85% correspondem a receitas fiscais que as empresas vão pagar mais tarde.

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Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, destaca o "potencial de liquidez" da flexibilização fiscal, com impacto na tesouraria das empresas JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa (arquivo)

Tal como aconteceu há um ano, no primeiro desconfinamento, o Governo vai abrir os cordões à bolsa para apoiar empresas e trabalhadores na retoma da actividade económica. O pacote de medidas, anunciado ontem, inclui um reforço de subsídios, tal como o executivo já vinha sinalizando, e que se traduz numa despesa de 1160 milhões de euros em apoios a fundo perdido.

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Tal como aconteceu há um ano, no primeiro desconfinamento, o Governo vai abrir os cordões à bolsa para apoiar empresas e trabalhadores na retoma da actividade económica. O pacote de medidas, anunciado ontem, inclui um reforço de subsídios, tal como o executivo já vinha sinalizando, e que se traduz numa despesa de 1160 milhões de euros em apoios a fundo perdido.

Mas a fatia de leão dos auxílios para ajudar ao segundo desconfinamento é composta por obrigações fiscais que o Governo decidiu adiar, para libertar a tesouraria das empresas. O adiamento de impostos envolve uma receita de 6100 milhões de euros, segundo a estimativa do Ministério das Finanças (MF). O que significa que 85% dos quase 7200 milhões de ajudas ontem anunciado pelo número dois do Governo, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, é receita do Estado que as empresas abrangidas terão de saldar mais à frente.

O adiamento do pagamento do IVA mensal e trimestral é a maior fatia desse adiamento de impostos. Vale 2300 milhões de euros, segundo dados fornecidos pelo MF ao PÚBLICO. Depois vem o adiamento da entrega dos valores de IRS e IRC retidos na fonte, que valem 1900 milhões, na estimativa do Governo. Segue-se o pagamento em prestações do primeiro e segundo pagamento por conta de IRC (1000 milhões) por parte de pequenas e médias empresas (PME), 800 milhões do pagamento de autoliquidação de IRC por parte de PME e 100 milhões da limitação do segundo pagamento por conta das microempresas.

Foi na soma destes montantes que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, se baseou ontem, na apresentação das medidas, para concluir que “o potencial de liquidez” ascendia a 6000 milhões de euros, realçando a importância desse apoio para a tesouraria das empresas neste segundo desconfinamento, que começa na segunda-feira e que se desenrolará até Maio, a conta-gotas, como disse o primeiro-ministro.

O valor daquele "potencial de liquidez" foi calculado “a partir do universo de contribuintes potencialmente abrangidos e do valor das contribuições em causa”, explicou o MF, em resposta a questões do PÚBLICO. “Ao longo de 2021 será possível acompanhar, à imagem do ocorrido em 2020, a execução destas medidas e a adesão dos contribuintes aos benefícios agora anunciados”, acrescenta o ministério.

No essencial, isto sugere que o anúncio de apoios de 7000 milhões assenta basicamente numa estimativa. Comparando-a com a execução orçamental de 2020, concluir-se-ia que estará altamente inflacionado.

No ano passado, o impacto das medidas fiscais anti-covid na receita foram de 1426 milhões de euros (incluindo 508 milhões de isenções contributivas, estimadas pela Segurança Social, e quase 700 milhões da suspensão dos pagamentos por conta do IRC, que foi a medida de maior impacto). Ou seja, o impacto real das medidas que o Governo também aplicou em 2020 sobre a receita foi quatro vezes inferior à estimativa apresentada agora.

O que está assegurado é a despesa adicional que vai financiar quase uma dezena de medidas de grande alcance. Há 300 milhões para linhas de crédito, 400 milhões para reforço do programa Apoiar; e 700 milhões para o sector do trabalho, segundo o Ministério da Economia.

Incluem-se neste leque: até 50% mais subsídios às empresas mais afectadas pela crise; apoio às rendas alargado a contratos de cessão de exploração (que tinham sido deixados de lado); Incentivo à Normalização (um a dois salários mínimos por posto de trabalho mantido); o prolongamento do Apoio à Retoma (que custou 45 milhões em Janeiro, segundo a execução orçamental); o alargamento a novas empresas do layoff simplificado (que custou 88 milhões em Janeiro e Fevereiro) ; mais um subsídio, a pagar no terceiro trimestre, no âmbito do Apoio Simplificado às Microempresas.

Além disso, o Governo estende a ajuda a sectores que se queixavam de terem sido esquecidos, como a Cultura e o Desporto. Ou até às padarias e empresas de pirotecnia, agora elegíveis ao programa Apoiar, que voltará a aceitar candidaturas, na próxima semana, segundo Siza Vieira.

Globalmente, o plano mereceu nota positiva dos patrões, que pedem celeridade no pagamento dos apoios.

Com o reforço e o alargamento a sectores, empresas e profissionais (como sócios-gerentes) anteriormente excluídos, o Governo responde a falhas que vinham sendo apontadas. Mas também se ouviram críticas: a Confederação do Comércio e Serviços aponta “falta de clareza” nos montantes envolvidos e "discriminação” entre micro, PME e grandes empresas.