Fármaco para fibrose quística: “Se fosse a dez escudos, já estava aprovado”
Investigadora propõe criação de agência que avalie o custo destes medicamentos inovadores. Farmacêutica tem o monopólio das soluções para estes doentes com um considerável lucro.
A alta eficácia do medicamento vem acompanhada por outra característica especial do Kaftrio: o elevado custo do tratamento que atinge cerca de 200 mil euros por ano. A investigadora Margarida Amaral admite que o elevado preço é o maior entrave à sua aprovação e sugere que este problema real devia ser resolvido com uma agência internacional que avaliasse o que é o justo valor de um medicamento e que negociasse com as farmacêuticas.
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A alta eficácia do medicamento vem acompanhada por outra característica especial do Kaftrio: o elevado custo do tratamento que atinge cerca de 200 mil euros por ano. A investigadora Margarida Amaral admite que o elevado preço é o maior entrave à sua aprovação e sugere que este problema real devia ser resolvido com uma agência internacional que avaliasse o que é o justo valor de um medicamento e que negociasse com as farmacêuticas.
A investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa reconhece que o problema com a aprovação deste fármaco é da responsabilidade da autoridade nacional para o medicamento, Infarmed. “Mas temos também um outro lado: o das farmacêuticas que também não podem pedir o que lhes passa na cabeça porque no fundo é um bocadinho como raptar uma pessoa e depois pedir um resgate.” Por isso, a cientista sugere que o problema poderia ser mais facilmente resolvido com “uma autoridade internacional ou europeia que fosse capaz de condicionar e negociar os preços destes medicamentos inovadores. Algo que, aliás, foi feito agora entre a União europeia e as farmacêuticas para a aquisição da vacina para a covid-19.
“Geralmente, o que a farmacêutica alega para os cálculos do valor de um medicamento são os custos da investigação para o seu desenvolvimento”, diz Margarida Amaral que insiste na proposta da criação de uma agência que analisaria este valor. As farmacêuticas são empresas, com fins (muito) lucrativos, claro. Mas por vezes as suas margens de lucro em medicamentos órfãos que podem salvar vidas podem ser quase imorais. “Não sei muito bem qual é a melhor forma de resolver isto, mas acho que não pode passar por fazer este tipo de chantagem com a vida das pessoas”, desabafa a investigadora.
A empresa que produz este fármaco é a Vertex, que praticamente detém um monopólio no que diz respeito às soluções terapêuticas para a fibrose quística. Uma notícia publicada no final de 2020 no site Nasdaq, onde são publicadas informações da bolsa, relatórios de análise de dados, bem como uma visão geral do panorama do mercado, resume algumas das principais linhas deste negócio.
“A Vertex ganhou praticamente todos os seus 5,4 mil milhões de dólares de receitas no último ano com as vendas dos seus medicamentos para a fibrose quística – uma doença relativamente rara e difícil. Cerca de 100 mil pessoas em todo o mundo têm esta doença”, refere o artigo. A notícia inclui mais alguns pormenores da lucrativa estratégia desta empresa. “A Vertex tem uma ambição ainda maior de atingir 100% das pessoas com FQ, criando novas terapias genéticas que ajudarão os estimados 10% de pacientes com variantes da doença que não podem ser tratadas eficazmente com as suas ofertas actuais. Actualmente, a Vertex vende quatro medicamentos diferentes para a FQ, três dos quais são terapias combinadas que utilizam medicamentos diferentes como o lumacaftor e o ivacaftor, que foram desenvolvidos internamente.” Por fim, ficam mais alguns dados da receita de sucesso neste negócio: “Ao combinar as suas terapias bem-sucedidas em novas formulações, a Vertex pode abordar diferentes necessidades dentro dos pacientes com FQ, ao mesmo tempo que extrai o máximo valor dos seus esforços anteriores de investigação e desenvolvimento (I&D). Isto também permite que a Vertex evite alguns dos danos de receitas infligidos pela expiração da patente”.
O custo dos medicamentos será a única explicação para o atraso da aprovação do medicamento em Portugal, defende. “Não vejo outra. Se os medicamentos estão avaliados positivamente pela EMA que avalia todos os estudos técnico-científicos, não me parece que o Infarmed aqui vá fazer algum estudo adicional. Fará depois de o medicamento estar no mercado os estudos de farmacovigilância que são normais e que são feitos para qualquer novo medicamento que entra no mercado”. Por isso conclui: “Se isto fosse a dez escudos a caixa, acho que o medicamento já estava aprovado há muito tempo.”