Tiago Ventura Sales: o fotógrafo da PSP que também nos leva a viajar
Como é que um comissário da PSP se torna fotógrafo? Tudo começou por passatempo, com o registo das linhas arquitectónicas de prédios na cidade de Lisboa e ao querer contar viagens através das imagens. “A fotografia materializou este meu lado, esta visão mais criativa do mundo”.
Como numa viagem, na qual é importante acertar nos caminhos que se escolhem para chegar ao destino pretendido, o que escolhemos na vida leva-nos a um determinado patamar... Ou não.
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Como numa viagem, na qual é importante acertar nos caminhos que se escolhem para chegar ao destino pretendido, o que escolhemos na vida leva-nos a um determinado patamar... Ou não.
Tiago Ventura Sales, 31 anos, cresceu em Lisboa, e desde criança que se sentiu inclinado para o lado artístico, mas a vida parecia ter outros planos. “Sempre gostei de Artes e de desenhar, já desenhava na primária, continuei pelo liceu... Quando foi a altura de escolher a área no 10.º ano, ponderei Artes mas optei por Ciências, não achava que tivesse um jeito por aí além para o desenho, e senti que tinha mais saídas profissionais. Na altura simplesmente não consegui vislumbrar um futuro nas Artes...”
Tiago achava piada a desenho geométrico, mas não se via como arquitecto e nas Ciências poderia ter mais saída. Não é esta a história de tantos adolescentes? Comprometidos entre a sua inclinação e as opções profissionais que daí advirão. “Lembro-me de pensar que poderia sempre escolher mais tarde... Também estive ligado à música, toquei até numa orquestra em Torres Vedras. Clarinete até ao 12.º ano e ao 9.º juntei-lhe a guitarra...” E hoje? “Ainda toco mas só com amigos de vez em quando, não tenho projecto formal”, ri-se.
Passado o 12.º ano, entrou para Fisioterapia, ao mesmo tempo que se inscreveu na Polícia de Segurança Pública (PSP). “Concorri ao mestrado em Ciências Policiais, éramos 1200 candidatos para 25 vagas...” Sem muita fé, foi fazendo os testes, “e ficando”. “Até que fiquei apurado.” Nessa altura, desistiu de Fisioterapia e começou o curso da PSP. Por volta do segundo ano, tornou-se amigo de um colega que gostava muito de fotografia: “No segundo ano fazia parte do curriculum realizarmos projectos-escola e ele fez uma revista. Inspirado, nesse mesmo ano comprei uma máquina e comecei a fotografar Lisboa, prédios, arquitectura... Mais tarde, já a trabalhar, continuei, antes e depois do trabalho ia um tempo fotografar, comecei com prédios. Hoje vejo que foi um regresso ao desenho [da infância] e às linhas de arquitectura. A fotografia materializou este meu lado, esta visão mais criativa do mundo. Encaro-a como uma forma de desenho, sem as mesmas exigências ao nível das competências.”
Viagens, marcas, emoção
Em 2011/12 começou a viajar mais, e a levar a máquina, e deu-se a atracção pela fotografia de viagem e de natureza. Tiago refere que a sua maior preocupação sempre foi não mostrar apenas uma sequência dos locais por onde passava, mas sobretudo mostrar a emoção dessa viagem. “Contar do início ao fim, para que quem estivesse a ver essas imagens conseguisse ter uma história. É um storytelling em fotos.” Este contar de histórias é tudo menos encenado: “Em vez de criar cenas artificiais, procuro criar momentos autênticos... continuamente desfazendo as linhas entre o trabalho e a vida. Desta forma, vejo-me um contador de histórias e criador de conteúdo.”
Numa viagem, já não vai apenas à descoberta, prepara-se para conseguir registos que possam ir ao encontro da autenticidade: “Antes de ir, vou tentar ver o sítio sob uma determinada perspectiva, ler sobre ele, pensar num projecto que seja uma cápsula mais estruturada para captar uma história... Por exemplo, em Junho estive de férias nas Flores, nos Açores, que tem muita cultura dos baleeiros e da pesca do bacalhau. Captei alguns registos mas não tinha substância para fazer uma série ou um book... Isto continua na minha cabeça, hei-de voltar em breve e fotografar mais.” Não que esteja sempre obcecado com isso, consegue “desfrutar, sem pensar no que quer que seja, e apenas apreciar paisagens fixes, registar momentos engraçados”. A próxima viagem que planeia fazer, quando a pandemia permitir, é aos Estados Unidos ou à África do Sul.
Para Tiago, o mais importante é fazer-nos sentir “algo diferente ou trazer uma memória da infância”. “Quero que o meu trabalho provoque algo mais, que não seja apenas ver uma fotografia bonita. Hoje em dia, temos acesso a tanta coisa. Passamos a vida a fazer scroll, scroll mas não paramos a apreciar nada. Isso não nos conecta... Nas minhas imagens tento captar a atenção através de pormenores simples, não tão amplos, mas que nos façam parar e pensar, que façam o outro perguntar o que é estar naquela situação, por exemplo.” O objectivo é conseguir fazer-nos viajar? “Já me disseram que sim, que o faço!” diz, contente no seu olhar recatado, tão comum a quem prefere comunicar com a lente.
Essência do retratado
Os primeiros trabalhos que começou a fazer com marcas coincidiram também com os que fez de actrizes e actores. “Fotografar pessoas é a área de que gosto mais... Sinto que não há nem deve haver um caminho limitativo para um fotógrafo. Comecei com arquitectura, de seguida paisagens, e nestas viagens comecei também a fotografar pessoas. Nas fotografias de viagens tinha uma data de fotos de gente e não sabia nada sobre essas pessoas. Comecei a fugir disso e foquei-me nas paisagens, mas apercebi-me que gostava muito de fotografar a pessoa no seu meio ambiente. O trabalho com celebridades veio no decorrer do que fazia com as marcas, foi uma consequência feliz.”
Mais uma vez, prefere não orquestrar histórias, e que os registos captem aquilo que se vê apenas em segundos: “Estou numa batalha para a pessoa me dar o retrato dela. Procuro a pessoa real, a essência do ser. Para mim, como fotógrafo, um retrato em termos de composição é simples, e só quero aquele momento em que a pessoa está ali, está contigo e não tem muita margem de manobra para vestir uma personagem, em que a apanho num momento não estudado, e nem sempre naquela pose que estes actores e actrizes sabem que funciona. Quando estão mais com eles próprios, é quando gosto de os captar...”
No seu site, podemos ler que os seus fundamentos artísticos são a paixão infinita por viagens, a busca constante pela simplicidade e fome insaciável por belas imagens, e perante isto sai a pergunta óbvia: consideras-te um artista? “Não... Sou um bocado céptico em relação à utilização da palavra artista, porque é algo que se demora a construir. Há um pouco essa percepção em relação aos fotógrafos, que criam arte. Sim, há momentos em que crias arte, mas não é uma divindade, é um processo contínuo, em que procuramos uma visão. Fujo desse endeusar do artista. Vejo isto de forma simples, como uma auto-estrada, com várias faixas, podes estar em qualquer uma. Posso fotografar paisagens e pessoas e ser reconhecido por isso, mas se de repente me apetecer fotografar gatos? Porque não? Tenho o meu projecto a longo prazo mas não tenho pudores em fotografar isto ou aquilo. Todos os grandes fotógrafos mantinham-se a fotografar coisas simples...” Como referências aponta Irving Penn (“fotografou imenso tempo escovas de dentes”, ri-se) e Finn Beales (que aponta como exemplo enquanto contador de histórias através do registo de produto).
Enquanto crescia como fotógrafo Tiago trabalhava na segurança privada da PSP. Foi sempre fotografando as suas viagens e apostando na autoformação, investindo em workshops online de fotógrafos. “Depois estive duas semanas nos EUA com o fotógrafo Alex Strohl, num workshop focado não só na parte técnica mas também na parte de business. Isto foi em 2017-2018.” De repente, aconteceu “tudo ao mesmo tempo”. O chefe que tinha ficou responsável pela área de Relações Públicas e destacou-o para fotógrafo oficial das forças policiais. Lado a lado com o tal amigo do curso da PSP que fez o projecto da revista e com quem começou a gostar de fotografia, que é responsável pela gestão das redes sociais. “Boas coincidências, foi criado todo um novo departamento que não existia, antes havia apenas um fotógrafo que fazia a cobertura das cerimónias, mas hoje estamos mais organizados na criação e produção de conteúdos, esta parte dá-me muito gozo. [...] Na PSP depende do que tenho de registar, há trabalhos muito institucionais e por isso menos criativos, mas em muitos outros consigo contar um pouco mais... Quero mostrar o outro lado da PSP.” E nós queremos ver.
‘Tudo está bem quando acaba bem, se ainda não estiver bem, é porque não acabou ainda...’ O provérbio indiano referido no filme The Best Exotic Marigold Hotel parece subscrever a vida de Tiago. Hoje, está a fazer exactamente o que gosta e nem sequer teve, como muitos, de largar tudo e mudar de vida. Bastou-lhe escolher o caminho errado.