Associação Terra Solta, em Campanhã, procura nova casa para ganhar raízes
Com o avançar das obras do Terminal Intermodal de Campanhã (TIC), a Associação Movimento Terra Solta (AMTS) vai ter de sair do espaço onde está há 10 anos. Actualmente, está a sondar outros terrenos para prosseguir o trabalho comunitário e pedagógico que envolve uma horta biológica, um viveiro, workshops, concertos e uma orquestra comunitária.
Quando os tractores avançarem sobre o terreno onde está hoje instalada a Associação Movimento Terra Solta (AMTS), a um passo da Rotunda de Campanhã (que dá acesso à VCI), ficará apenas a memória de miúdos e graúdos a sujar as mãos na terra debaixo do sol para, de seguida, sentados em torno de uma mesa, partilharem uma refeição com ingredientes vindos da horta, trocarem experiências e conhecimentos e, de barriga acomodada, tocarem músicas tradicionais portuguesas. “Éramos para ter deixado isto em Novembro, mas pedimos mais tempo, porque sabíamos que as obras tão cedo não iam entrar aqui”, contextualiza Vítor Parati, presidente da direcção da Terra Solta.
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Quando os tractores avançarem sobre o terreno onde está hoje instalada a Associação Movimento Terra Solta (AMTS), a um passo da Rotunda de Campanhã (que dá acesso à VCI), ficará apenas a memória de miúdos e graúdos a sujar as mãos na terra debaixo do sol para, de seguida, sentados em torno de uma mesa, partilharem uma refeição com ingredientes vindos da horta, trocarem experiências e conhecimentos e, de barriga acomodada, tocarem músicas tradicionais portuguesas. “Éramos para ter deixado isto em Novembro, mas pedimos mais tempo, porque sabíamos que as obras tão cedo não iam entrar aqui”, contextualiza Vítor Parati, presidente da direcção da Terra Solta.
Nos últimos meses, com o iminente avanço da empreitada do Terminal Intermodal de Campanhã (TIC) sobre o terreno da antiga Quinta Vila Meã (também conhecida como Quinta do Mitra), e a nota de saída com “prazo indeterminado, desde que não estorve as obras”, a associação começou a procurar empresas ou instituições, privadas ou públicas, incluindo as juntas de freguesia mais próximas, que pudessem ceder-lhe um terreno onde se alojar para realizar as suas actividades futuramente. “A Junta do Bonfim quer muito que a gente vá para lá, mas não tem terreno”, revela o responsável. No final de Fevereiro, havia um terreno “em vista”, mas estava longe de ser um acordo garantido, visto ser “terreno de família”.
Comunidade ligada às raízes
Para poder continuar o trabalho comunitário e pedagógico que faz em Campanhã há 10 anos, a Terra Solta precisa de uma área exterior de 300 a 1000 m² para instalação de uma horta biológica e de um viveiro, um espaço fechado com cerca de 40m² para realização de workshops, almoços comunitários e ensaios da orquestra comunitária, sendo que é importante que a localização seja próxima de transportes públicos, tornando o espaço acessível a todos, como é filosofia da casa. Sob um contrato de comodato [modalidade que consiste no empréstimo gratuito de um bem, móvel ou imóvel, a uma entidade individual ou colectiva, garantindo que seja restituído em boas condições], a associação quer apenas ter acesso a “um bocado de terra para o pessoal se poder sujar”.
Actualmente com apoio da junta de Campanhã “na luz e na água”, a Terra Solta vive das quotas anuais de 20€ pagas pelos associados e dos donativos das pessoas que vão passando por ali, seja para participar nos almoços comunitários de sábado ou para “levar alguma coisa que lhes interesse da horta”. “Vêm aqui pessoas de várias idades, profissões e contextos, no fundo somos todos voluntários”, reconhece o presidente da associação. “O dinheiro para nós é secundário”. A matriz do grupo resume-se à relação harmoniosa com a natureza, o convívio e cumplicidade que ela propicia e a partilha e a solidariedade que pode surgir da terra.
Prova disso é o viveiro onde é costume plantar espécies autóctones como castanheiros, pinheiros-mansos ou carvalhos para “doar às zonas onde ardem” e contribuir para a sua reflorestação. Também a ligação às raízes assume grande relevância em projectos como o linhal que pretende resgatar a técnica ancestral de trabalho do linho nos têxteis. “[Depois de cultivado e colhido], doamos o linho a uma pessoa de Lousada que o trabalha, porque aqui não temos como o fazer”, elabora Vítor Parati. Ao longo dos anos, a tradição foi presença assídua nos eventos organizados, por vezes, em consonância com as estações, como a “desfolhada do milho” ou na transmissão de “ensinamentos” gastronómicos como a preparação de sopa da pedra. Mas o olhar da Terra Solta, como o nome indica, não está preso, e aponta ao presente e ao futuro – na cozinha com fogão a lenha já se deram, inclusive, workshops de comida vegana ou de doces sem açúcar, e, no que diz respeito a animais, só entram ali os ovos das galinhas que cacarejam na horta.
Música para “desanuviar"
A tradição portuguesa estende-se, ainda, à orquestra comunitária, um grupo informal, aberto a quem quiser participar, onde a maioria dos instrumentos são artesanais. Fernando Coelho faz parte da orquestra há cinco anos, mas a sua experiência musical tem mais de 40. Membro dos Albatroz, uma banda gondomarense de rock que se voltou para a música ligeira por exigências do mercado, chegou a “tocar 26 dias seguidos em Agosto, sem poder vir a casa”, mas hoje faz ritmos e solos na guitarra numa orquestra que “nasce para todo o tipo de gente que queira passar um bom bocado”. Dando um cunho próprio, quer alterando letras ou melodias dos temas, o importante é “desanuviar”.
De momento, o grupo prepara-se para subir ao palco do Rivoli em Maio, uma experiência “diferente” das actuações que costumam levar a cabo em escolas ou lares. “Estivemos parados por causa da covid-19, mas temos de ensaiar para nos sairmos minimamente bem”, acrescenta Vítor Parati.
Em circunstâncias normais, com a Primavera à espreita, esta seria a altura de acomodar novas sementeiras. “Não o fazemos, porque temos de deixar isto”, lamenta. Apesar da mudança forçada, a associação continua a trabalhar com “a mesma vontade, se calhar com o intuito de cativar as pessoas e as juntas [a cederem-lhes um terreno]”. “Aproveitamos ao máximo o espaço, quando tivermos de sair, chegou a hora. Até ficamos contentes por saber que esta parte de Campanhã [está a ser renovada]”. Quando se for dali, levará consigo uma promessa de futuro: uma árvore de citrinos, entre as várias árvores de fruto plantadas pela associação, para pôr no seu quintal. “E se houver alguém interessado noutras árvores, pode vir buscá-las”, conclui.