Sim, há desigualdade

No total de 190 países, as escolas enfrentaram o encerramento total ou parcial, afetando mais de 1.7 mil milhões de alunos e colocando novos desafios.

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Reuters/ANDREW COULDRIDGE

A 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a epidemia de covid-19 como pandemia, numa situação jamais vista ou sequer imaginada, a não ser ao nível ficcional e pela narrativa literária, como é o caso de Margaret Atwood. O mesmo aconteceu na educação, tendo-se então verificado o encerramento generalizado das instituições educativas, mantendo-se muitas delas numa situação prolongada de um ensino baseado em atividades não presenciais.

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A 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a epidemia de covid-19 como pandemia, numa situação jamais vista ou sequer imaginada, a não ser ao nível ficcional e pela narrativa literária, como é o caso de Margaret Atwood. O mesmo aconteceu na educação, tendo-se então verificado o encerramento generalizado das instituições educativas, mantendo-se muitas delas numa situação prolongada de um ensino baseado em atividades não presenciais.

No total de 190 países, as escolas enfrentaram o encerramento total ou parcial, afetando mais de 1.7 mil milhões de alunos e colocando novos desafios através de políticas educativas orientadas não só para assegurar a continuidade das atividades letivas, mas também para que os alunos mais vulneráveis não fossem deixados para trás, de acordo com os dados constantes de vários relatórios elaborados por organizações internacionais.

Uma outra preocupação bastante evidenciada nos relatórios dessas organizações é a da existência generalizada de práticas de exclusão dos alunos, pois apenas 10% dos países mantiveram práticas sistemáticas e abrangentes de inclusão, associada também ao risco de uma geração de crianças e jovens ser notoriamente afetada pela ausência ou pela perda de aprendizagens essenciais, como refere a UNESCO.

Desde que o fenómeno foi estudado – primeiramente através do conceito de meritocracia, com a publicação de um livro, por Michael Young, em 1958, depois através do princípio de correspondência ou de uma teoria do sistema de ensino baseada na reprodução, na década de 1970, por académicos franceses e norte-americanos – a desigualdade tem sido um dos fatores mais salientados quando são comparados os sistemas educativos ao nível das aprendizagens escolares dos alunos. Por isso, aumentou, exponencialmente, o número de estudos que analisam o peso do fator socioeconómico nas aprendizagens e na sua qualidade, sendo uma das questões mais focadas pela OCDE na análise dos resultados do teste PISA.

Ou seja, por mais discursos políticos e argumentos educacionais que existam, por mais iguais ou divergentes que tais discursos e argumentos sejam, a desigualdade é uma realidade intrínseca às escolas e que nelas permanece há alguns séculos, não podendo representar um facto novo nos dias de hoje, embora a sua análise e discussão sejam cada vez mais necessárias.

Com a encerramento físico das escolas, a opção recaiu no ensino à distância, prática seguida por ¾ dos países a nível mundial, mediante a implementação de modalidades bastante diversas, na tentativa de atenuar a ausência do ensino presencial, que é, segura e reconhecidamente, o meio mais eficaz para garantir equidade, igualdade e inclusão às crianças e aos jovens.

Mais do que assegurar meios educativos, de que os computadores e o acesso à internet são fundamentais, persiste a questão de saber se as respostas dadas pelo sistema educativo, em cada um dos países, foram adequadas às necessidades educacionais dos alunos, sendo pertinente perguntar se tais medidas foram ou não geradoras de mais injustiças escolares e, por conseguinte, de mais desigualdade.

A pandemia, educacional e pedagogicamente falando, tem contribuído quer para aumentar as desigualdades entre os alunos, acentuando as dificuldades de aprendizagem, quer para afetar um número significativo de alunos que não reúne em casa as condições de realização das atividades mediadas pela tecnologia.

Se o ensino à distância, através de plataformas digitais, foi largamente utilizado, numa transposição direta do ensino presencial para o ensino síncrono, o que ficou para trás – na grande maioria dos países, incluindo os que têm um rendimento per capita mais elevado, como consta do Relatório da UNESCO/UNICEF e do Banco Mundial, de 2020, sobre o impacto da covid-19 na educação – foi o apoio pedagógico aos alunos com mais dificuldades e aos alunos em situações de emergência.

Tal como aconteceu com o furacão Katrina, aquando da sua passagem por territórios do sul dos Estados Unidos, o mesmo está a acontecer com a pandemia de covid-19: a desigualdade existente foi desocultada, revelando ser ainda mais desigual do que seria expectável, pois a realidade social nem sempre é totalmente capturada no seu lado mais excludente pelos dados estatísticos.

Como foi referido, no PÚBLICO, de 18 de janeiro último, pela Presidente do Conselho Nacional da Educação, “descobrimos as desigualdades que já existiam. Foram desocultadas, até parece que ninguém tinha dado por elas antes. Isso tornou-se muito mais evidente agora. Mas além dessa desocultação de uma coisa que já existia, é evidente que também nos demos conta que isto veio agravar as desigualdades”.