Tentaram recrutar-me para um esquema em pirâmide
Começa sempre com uma conversa subtil, em que os recrutadores partilham alegada “melhoria de qualidade de vida” ou “aumento de rendimentos” com “risco quase nulo”. Sabendo de antemão os sinais de um esquema em pirâmide, decidi pôr o pé na porta e olhar para dentro da toca do coelho das empresas de marketing multinível.
Não é a primeira vez que sou abordado com propostas de “liberdade financeira” e de “trabalhar a partir de casa e rentabilizar o meu tempo”. Com toda a conversa à volta dos cursos suspeitos de Forex e trading, dos grupos de apostas desportivas em que só o “formador” ganha e de toda a febre à volta das criptomoedas, decidi, desta vez, partilhar a minha história. Isso e o facto de esta abordagem ter acontecido numa fase da minha vida em que, infelizmente, tenho mais tempo livre – os recrutadores têm bom olho, reconheço-lhes isso.
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Não é a primeira vez que sou abordado com propostas de “liberdade financeira” e de “trabalhar a partir de casa e rentabilizar o meu tempo”. Com toda a conversa à volta dos cursos suspeitos de Forex e trading, dos grupos de apostas desportivas em que só o “formador” ganha e de toda a febre à volta das criptomoedas, decidi, desta vez, partilhar a minha história. Isso e o facto de esta abordagem ter acontecido numa fase da minha vida em que, infelizmente, tenho mais tempo livre – os recrutadores têm bom olho, reconheço-lhes isso.
Não é, sequer, a primeira vez que me tentam convencer a integrar estes esquemas com promessas tanto fantásticas como vagas. Começa sempre com uma conversa subtil, em que os recrutadores partilham alegada “melhoria de qualidade de vida” ou “aumento de rendimentos” com “risco quase nulo”. Sabendo de antemão os sinais de um esquema em pirâmide, decidi pôr o pé na porta e olhar para dentro da toca do coelho das empresas de marketing multinível.
O primeiro passo deste processo de recrutamento passou por assistir a uma palestra com quatro oradores, através de um link manhoso num site ainda mais manhoso, com o mesmo valor de produção de uma discoteca barata. Primeira “bandeira vermelha”. Trata-se de um evento chamado Fora da Caixa – Evolui & Empreende. Se o cliché pagasse imposto, não precisaríamos de taxar a burguesia do teletrabalho. Começa com um set de música electrónica azeiteira com o objectivo de nos transmitir uma sensação de adrenalina e felicidade. Literalmente. Digo literalmente porque uma das músicas é a Happy, do Pharrel Williams. Segunda “bandeira vermelha”.
Ultrapassada a extenuante viagem sonora até ao Urban pré-covid – e eu nunca fui ao Urban –, fui recebido por cinco “empresários de social commerce”. Terceira “bandeira vermelha”. O que é social commerce? Não sei. Não interessa. Ninguém diz. O elefante está escancarado no meio da sala e só eu pareço dar por ele. Passam-me pela frente “especialistas” em desporto, marketing, finanças e até uma actriz. Todos com uma coisa em comum: terceira “bandeira vermelha”.
Ninguém se digna a dizer o que é o tal social commerce, mas todos dizem que é “o negócio do século XXI”, ou outra qualquer variante para nos manter “agarrados” ao ecrã. A estratégia começa a resultar: agora estou mesmo curioso por conhecer esta oportunidade de negócio imperdível, confesso. Mas já estou nisto há mais de meia hora e ninguém falou nisso. É neste momento que eu agradeço aos deuses das “internetes” por nos permitirem assistir a vídeos ao dobro da velocidade normal.
Já perto da primeira hora de “evento”, fui brindado com a palestra de uma alegada expert em finanças, que trabalhou numa “multinacional a combater fraudes”. Qual? Não sei, não lhe pareceu relevante dizer.
É com esta senhora que as coisas começam a aquecer. O título da apresentação dela é Da desinformação aos factos. Será que mais ninguém vê a ironia nisto tudo? Enfim. Rapidamente percebo que o papel dela é “desmistificar” o marketing de rede (outra coisa que não sei o que é nem ninguém explica – quarta “bandeira vermelha”). E como é que o faz? Cascando a torto e a direito nos “esquemas em pirâmide tradicionais”. Solto uma gargalhada e aponto a quinta “bandeira vermelha”.
No meio de um name dropping surreal – esta expert atira para o ar siglas como FTC, DSA, IPVD, WFDSA e outras que nem apanhei – solta-se a palavra proibida: “Amway”. Dei por mim a viver a mítica cena de Citizen Kane, mas em vez de “rosebud”, só ouvia “Amway” em suspiros fantasmagóricos... Arrepiei-me, confesso.
Parei o vídeo e recorri ao amigo Google: “Amway é esquema de pirâmide, ponto de interrogação”. Os primeiros resultados deram um não categórico. Mas vinham de um canal de YouTube e de um site da Amway. Suspeito. Mas trabalham bem o SEO, mais um ponto a favor para este esquema. E mais uma “bandeira vermelha”. A sexta.
Já tinha ouvido falar da Amway e até já me tinha cruzado com alguns dos seus produtos. Decido voltar ao Google e percebo que, tecnicamente, a Amway não é um esquema em pirâmide. Mas isso não significa que não tenha práticas de negócio muito shady. Como dizia o outro: “O diabo está nos detalhes”.
Meras horas após a palestra que me deixou mais perguntas do que respostas, o casal recrutador voltou à carga e tentou contactar-me insistentemente. Lá atendi, meti a minha melhor poker face (poker voice?) e disse-lhes que tinha gostado do evento. E não menti, juro. Foi honestamente divertido. E fui o mais sincero possível: “Não percebi exactamente o modelo de negócio e muito menos o que é que eu tenho de fazer para começar a receber os frutos do trabalho. Nem sei qual é o trabalho.” Estava à espera que o recrutador tivesse a cartilha preparada para me responder e convencer. Mas do outro lado recebi apenas mais um convite para um destes eventos aparentemente altamente exclusivos (o convite até tinha o meu nome, vejam lá!) e uma promessa de reunião para me sossegarem todas as dúvidas.
Ansioso pelos próximos capítulos.