Directora da Organização Mundial do Comércio pede aumento da produção de vacinas contra a covid-19

Ngozi Okonjo-Iweala foi mandatada por um grupo de sete países para negociar com farmacêuticas, mas há um impasse que bloqueia a OMC.

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Ngozi Okonjo-Iweala esteve ligada nos últimos anos à GAVI, uma organização que faz chegar vacinas aos países mais precisam delas Reuters/POOL

A directora da Organização Internacional do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, apelou a que se aumente capacidade de produção de vacinas contra a covid-19 nos países em desenvolvimento, sustentada pelo apoio de sete países da organização que pediram a esta ex-ministra das Finanças da Nigéria para negociar urgentemente com as grandes farmacêuticas para o conseguir.

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A directora da Organização Internacional do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, apelou a que se aumente capacidade de produção de vacinas contra a covid-19 nos países em desenvolvimento, sustentada pelo apoio de sete países da organização que pediram a esta ex-ministra das Finanças da Nigéria para negociar urgentemente com as grandes farmacêuticas para o conseguir.

Ngozi Okonjo-Iweala, que até assumir a direcção da OMC era secretária da administração da Aliança GAVI – uma organização que nos últimos anos tem sido fundamental para fazer chegar vacinas às populações que mais necessitam delas, estabelecendo ligações com a indústria – teve o apoio expresso de uma moção apresentada pela Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Nova Zelândia, Noruega e Turquia. O documento, citado pela Reuters, diz que “a OMC deve rapidamente fazer uso dos seus recursos para fomentar uma aceleração pragmática e objectiva na resposta global à covid-19, em particular no que diz respeito à distribuição das vacinas contra a covid-19”.

Estas movimentações acontecem quando se inicia nesta quarta-feira uma reunião de dois dias do conselho do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS) da OMC, que será mais uma oportunidade para discutir uma proposta inicialmente avançada por países do Sul com capacidade de produção industrial (Índia e África do Sul) para que seja permitido usar os mecanismos legais para “quebrar as patentes” das vacinas ou atribuir licenças para o seu fabrico em vários pontos do mundo.

“Por cada dia que passar com falta de vacinas no mundo, as pessoas vão pagar com as suas vidas”, disse Okonjo-Iweala, numa reunião com produtores organizada pela Chatam House nos dois últimos dias. Cerca de 130 países estão ainda à espera de vacinas contra a covid-19 para iniciar a sua campanha de imunização – mesmo as primeiras entregas da iniciativa COVAX, da Organização Mundial da Saúde, da GAVI e outras organizações, que começaram no final de Fevereiro, em alguns países africanos, são apenas simbólicas, destinam-se a vacinar trabalhadores de saúde mais expostos.

Okonjo-Iweala propõe às farmacêuticas que passem licenças de fabrico a vários países, para que possam abastecer os mercados nacionais ou regionais, garantindo que a propriedade intelectual das empresas é respeitada. Isto é algo semelhante à política posta em prática pela AstraZeneca com a empresa Serum Institute indiana, o maior fabricante mundial de genéricos, que é responsável por abastecer não só o mercado indiano como vários outros países asiáticos – e tem até um contrato próprio para fornecer vacinas à iniciativa COVAX. 

A Organização Mundial da Saúde apoia as ideias que permitam a isenção de patentes para produzir vacinas.

Mas a proposta de usar os mecanismos TRIPS para que o fabrico das vacinas seja descentralizado, em vários pontos do mundo, está neste momento bloqueada, porque nações-chave, como os Estados Unidos, o Reino Unido, a própria União Europeia, se opõem a qualquer medida que possa pôr em perigo os direitos de propriedade intelectual das farmacêuticas. Consideram que isso poderia pôr em risco a investigação dispendiosa que permitiu desenvolver rapidamente as vacinas contra a covid-19 – ainda que esta tenha sido pesadamente subsidiada pelos Estados.

As empresas dizem também que o problema de escassez das vacinas que se sente neste momento é mais vasto do que a mera atribuição de licenças – começa a haver falta de matéria-prima para desenvolver as vacinas, disse na Chatam House Thomas Cueni, director-geral da Federação Internacional das Associações de Fabricantes Farmacêuticos (IFPMA), citado pelo UOL. As empresas farmacêuticas defendem ainda que não basta passar a receita das vacinas, por assim dizer, seria preciso transferir a tecnologia, o know-how – e neste momento não têm capacidade para o fazer, como disseram numa audição recente no Parlamento Europeu.

O resultado desta discórdia é que a discussão pode arrastar-se na OMC sem chegar a bom porto. “A OMC tem um problema estrutural fundamental, que é ser uma organização de consenso e existirem grandes diferenças de opinião entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento. Isto tem sido um problema desde a criação da OMC e é talvez ainda maior hoje do que há 25 anos”, disse à revista Foreign Policy Edward Alden, especialista em comércio internacional do Council on Foreign Relations.