O ciclismo está a mudar, mas os ciclistas não aprovam
Além de regulamentações técnicas e posturais – que desagradam aos ciclistas –, a União Ciclista Internacional avançou regras para tornar o ciclismo mais amigo do ambiente.
A União Ciclista Internacional (UCI) lançou um pacote de medidas para melhorar o ciclismo mundial, sobretudo em matéria de segurança dos atletas. Entre elas estão imposições posturais aos ciclistas em cima da bicicleta, algo que tem estimulado muita indignação, sobretudo entre os corredores.
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A União Ciclista Internacional (UCI) lançou um pacote de medidas para melhorar o ciclismo mundial, sobretudo em matéria de segurança dos atletas. Entre elas estão imposições posturais aos ciclistas em cima da bicicleta, algo que tem estimulado muita indignação, sobretudo entre os corredores.
A partir de dia 1 de Abril, os ciclistas serão penalizados caso utilizem, em etapas em linha, a posição de contra-relógio. Nos “cronos”, os ciclistas instalam extensores na parte central do guiador que lhes permitem apoiar os antebraços e assumir uma posição corporal mais baixa e, sobretudo, mais aerodinâmica. Usar essa posição fora dos contra-relógios está, agora, proibido.
Mas há mais. A UCI proibiu também a posição “super tuck”, coloquialmente conhecida como “posição Froome”, que o britânico celebrizou, na qual os ciclistas não se sentam no selim, mas sim no quadro da bicicleta, com o corpo inclinado em cima do guiador.
As duas posições, consideradas perigosas, estarão sob a vigilância dos comissários das provas, valendo desclassificação dos ciclistas que as utilizarem. Outras posições “criativas”, como a “posição Pantani” ou a “posição Sagan” estão também proibidas – no fundo, todas as posições que saiam do espectro “normal” de posturas utilizadas na bicicleta.
Desportivamente, estas decisões poderão ter impacto, essencialmente, na “arte” dos fugitivos. Em etapas em linha, é comum ver os ciclistas em fuga, sobretudo quando rodam sozinhos, adoptarem posições mais aerodinâmicas – a posição de contra-relógio – ou mesmo usarem a “super tuck”, essencialmente em descidas, ganhando aerodinamismo e velocidade.
A decisão da UCI tem por base o apelo à segurança, até porque, considera a entidade que rege o ciclismo mundial, as regras não são apenas para o ciclismo profissional – e há, nas categorias mais baixas, ciclistas menos capazes de utilizarem estas posições perigosas.
Outro argumento tem por base o exemplo que é dado aos mais jovens, que, com estas imposições, estarão menos tentados a arriscarem, em contexto lúdico, posições potencialmente perigosas.
Por fim, a UCI justifica que estas posições, nas quais o ciclista tem menos contacto com o guiador, com os travões e com o selim, tornam o atleta menos apto a reagir a imprevistos – que são muitos, nas provas de estrada, ao contrário do que acontece no ambiente controlado do ciclismo de pista, por exemplo.
Mas há, no ciclismo profissional, argumentos contrários. Além da limitação imposta a quem pretende rolar rapidamente à frente do pelotão, estas medidas desconsideram a componente técnica do ciclismo – que poderá tornar-se um desporto mais físico e menos dado a inovações posturais por parte dos mais talentosos e criativos.
Chris Froome chegou mesmo a ironizar, perguntando se a UCI também vai penalizar os ciclistas que tirem os olhos da estrada, olhando para baixo, e os que usem os cotovelos para fora (postura típica do britânico).
Michal Kwiatkowski foi outra das vozes discordantes, apontando que esta regra “é apenas uma forma de culpar os ciclistas pelos acidentes”, enquanto o colega de equipa na INEOS, Tom Pidcock, foi mais claro: “Isto é estúpido”.
Também Egan Bernal, já campeão da Volta a França, crê que esta é uma regra sem sentido. “Não tem lógica, é algo bizarro. Há coisas muito mais importantes para as quais devemos olhar. Não há muitos ciclistas contentes com esta decisão e seria bom que a UCI ouvisse os ciclistas”.
Ambiente também preocupa
Menos polémica é a medida de limitar o arremesso de lixo e bidões de água para o chão. A UCI pretende que os organizadores das provas criem, a cada 30 quilómetros, zonas para arremesso de lixo por parte dos ciclistas.
“Além de ser potencialmente perigoso em certas situações, atirar lixo e objectos prejudica o meio ambiente e a imagem do nosso desporto. Também é um péssimo exemplo para os ciclistas não profissionais”, justifica a UCI, que apela à criação dessas áreas também antes dos quilómetros finais das etapas.
Esta medida pretende não só ajudar o ambiente como evitar situações como a que sofreu Geraint Thomas na última Volta a Itália. O britânico caiu por culpa de um bidão atirado por outro ciclista, tendo mesmo de abandonar esse Giro. Desrespeitar estas directivas dará lugar a advertências e sanções que podem chegar à desqualificação.
Por fim, a UCI definiu novos pressupostos quanto às barreiras de protecção da estrada, sobretudo em chegadas ao sprint.
Depois do grave acidente de Fabio Jakobsen, em Agosto de 2020, a UCI pretende que as barreiras estejam bem fixas ao solo – e entre si –, devendo ser contínuas, sem qualquer espaço entre cada estrutura.