As variações de um vírus
Conseguirão as novas variantes escapar ao nosso sistema imunitário? A evidência científica parece indicar-nos que não. Os coronavírus não se podem “esconder” do sistema imunitário, não se podem camuflar e também não atacam o sistema imunitário.
Os vírus não têm cérebro e não têm uma “estratégia” planeada. Nem vivos estão! Os vírus são pequenos pacotes de material genético com instruções para invadir o seu hospedeiro e aí se multiplicarem. Um vírus não é um convidado agradável, não se preocupa com a célula hospedeira, e muitas vezes destrói-a.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os vírus não têm cérebro e não têm uma “estratégia” planeada. Nem vivos estão! Os vírus são pequenos pacotes de material genético com instruções para invadir o seu hospedeiro e aí se multiplicarem. Um vírus não é um convidado agradável, não se preocupa com a célula hospedeira, e muitas vezes destrói-a.
Os vírus mudam, mas o sistema que os combate, o sistema imunitário, acompanha estas mudanças.
O sistema imunitário é poderoso, de longo alcance e tem a capacidade de lutar contra todos os invasores. Tem uma missão simples: lançar um ataque contra qualquer coisa que não seja nossa. É importante que ele guarde e memorize os detalhes das suas vitórias. A imunidade pode ser complicada em todas as suas facetas, mas também é cool!
Não conhecíamos o SARS-CoV-2 antes de 2019, e ele não nos conhecia. Isso teve duas implicações importantes.
Primeira: o vírus não estava familiarizado com as nossas células.
O SARS-CoV-2 passou de um hospedeiro desconhecido para os humanos. Muitas vezes isto não funciona. No entanto, os vírus mudam: sofrem mutações. As mutações são aleatórias e devem-se a erros ocasionais no processamento do material genético. Estes erros costumam ser prejudiciais ou de pouca consequência. No entanto, ocasionalmente, uma nova variante será mais competitiva do que a original e ganhará vantagem. Foi o que aconteceu durante este último ano. Os humanos não eram o seu hospedeiro original e o SARS-CoV-2 adaptou-se a nós.
Segunda: o nosso sistema imunitário não possuía uma “ficha técnica” com a descrição deste vírus.
Apesar disso, o sistema imunitário deteta o invasor viral e captura-o. No entanto, sem a tal ficha técnica que permite uma memorização do invasor, este processo leva algum tempo. O SARS-CoV-2 conseguiu, portanto, espalhar-se rapidamente por todo o mundo, o que resultou em elevados níveis de infeção, por vezes difíceis de controlar. Este facto, em combinação com a ausência da ficha técnica do vírus, provocou doença grave e morte em muitos casos, particularmente naqueles em que o sistema imunitário não respondeu de forma eficaz. A rápida disseminação do vírus também contribuiu para uma melhor adaptação aos humanos.
Qual é então a importância das novas variantes? Apesar de estarmos ainda a descobrir a biologia deste vírus, o conhecimento de que dispomos mostra-nos que algumas das variantes se podem multiplicar mais rapidamente, passando mais facilmente de um ser humano para outro, o que pode resultar numa carga viral maior, e numa doença mais grave. E isso não é bom.
Mas conseguirão estas variantes escapar ao nosso sistema imunitário? Mais uma vez, a evidência científica parece indicar-nos que não. Os coronavírus não se podem “esconder” do sistema imunitário, não se podem camuflar e também não atacam o sistema imunitário (como é o caso do HIV). A melhor “estratégia” de sobrevivência do vírus é ser o mais rápido possível, criando o máximo de partículas virais que conseguir. As vacinas até agora aprovadas (e que nos permitem obter o ambicionado cartão de identificação deste vírus, sem o termos encontrado) usam uma molécula do exterior do SARS-CoV-2, a proteína spike ou S. Esta molécula sem a qual o vírus é inofensivo é fundamental para reconhecer as nossas células. Os anticorpos neutralizantes podem ligar-se à região da S que, por sua vez, se liga às células, impedindo assim a entrada do vírus e com isso a sua multiplicação.
Mas esta proteína S não é linear – três moléculas da S são enroladas uma em torno da outra, formando uma estrutura em 3D. Enquanto certas regiões específicas da proteína estão envolvidas na montagem desta estrutura a 3D, outras regiões são necessárias para a ligação do vírus às células. O que temos observado é que há mutações específicas na proteína S que resultam numa estrutura tridimensional mais robusta e com maior capacidade de se ligarem às células humanas. Infelizmente, algumas destas alterações podem reduzir a ligação dos anticorpos neutralizantes produzidos durante a vacinação. No entanto, e mais uma vez com base no conhecimento que já temos acerca de outros coronavírus, esperamos que após a adaptação do SARS-CoV-2 ao hospedeiro a capacidade para mudanças rápidas da proteína S seja limitada.
Mas serão as variantes capazes de escapar à nossa resposta imunitária? Isso é muito improvável. A ficha técnica do vírus que se constrói depois da vacinação contém informações detalhadas sobre toda a proteína S. Este cartão é “lido” por muitas células diferentes, que compõem o sistema imunitário reconhecendo uma variedade de regiões específicas da S. Se uma destas regiões se altera e deixa de ser reconhecida, isso corresponde à perda de apenas um elemento da nossa defesa. A redução da neutralização do vírus pode permitir que ele nos infete, mas a existência dos cartões de identificação irá garantir que não ficaremos doentes. Para além disso, o sistema imunitário será muito mais rápido na sua resposta, tendo ainda a capacidade de se adaptar e adicionar novas informações à ficha técnica deste vírus, memorizando a(s) nova(s) variante(s) para a próxima vez que as encontrar!
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico