Urgências do Hospital de S. João passam a contar com um psicólogo de serviço
Projecto-piloto tem a duração de três meses, mas o objectivo é que se prolongue, tornando permanente a presença destes profissionais nesta zona crítica do hospital.
Cláudia Martins devia sair às 17h, mas a essa hora, atende o telefone com voz apressada e diz que ainda está a trabalhar. “Tenho aqui uma situação complicada, só posso falar mais tarde”, diz, do outro lado da linha. A psicóloga do Centro Hospitalar Universitário de S. João, no Porto, estava a inaugurar um projecto-piloto que, desde esta segunda-feira, permite ter um destes profissionais em permanência no Serviço de Urgências.
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Cláudia Martins devia sair às 17h, mas a essa hora, atende o telefone com voz apressada e diz que ainda está a trabalhar. “Tenho aqui uma situação complicada, só posso falar mais tarde”, diz, do outro lado da linha. A psicóloga do Centro Hospitalar Universitário de S. João, no Porto, estava a inaugurar um projecto-piloto que, desde esta segunda-feira, permite ter um destes profissionais em permanência no Serviço de Urgências.
Ao final da manhã de segunda-feira, as Urgências do S. João estavam calmas. A pandemia fez cair o número de pessoas que procuram o serviço - de uma média de 460 atendimentos diários nos anos de 2018 e 2019, desceu-se para 390 em 2020, explicou a directora das Urgências, Cristina Marujo - e a azáfama de outros tempos ainda não regressou. Quem chega não se apercebe, mas este é o dia a partir do qual contam com mais um apoio. Entre as 9h e as 17h, de segunda a sexta-feira (por enquanto), há sempre um psicólogo por ali, pronto para ser chamado a dar uma ajuda, a doentes, os seus acompanhantes ou profissionais.
O primeiro turno coube a Cláudia Martins, que depois de 13 anos a exercer no Reino Unido, regressou a Portugal há dois anos, e integra o serviço de Psicologia do S. João há alguns meses. O primeiro caso que lhe passou pelas mãos foi o de um homem, recebido nas Urgências pouco antes. “Estamos disponíveis para sermos chamados para onde há necessidade. À partida, a identificação dos casos é feita pela equipa de enfermagem ou médica. Chamaram-me para alguém que foi recebido esta manhã e ficará internado. O senhor, no início, disse que não tinha necessidade de apoio psicológico, mas entretanto foi identificada alguma ansiedade, relativamente ao prognóstico clínico, e foi dada resposta a isso”, disse, numa breve apresentação aos jornalistas do novo serviço, inédito nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
"Situações de stress emocional intenso"
Cristina Marujo explica que esta era “uma vontade com muito tempo” e que foi agora possível concretizar. “Era algo pensado, algo desejado. A pandemia veio reforçar essa necessidade e tudo se conjugou para que pudesse acontecer nesta data. É importante que as equipas, no stress que vivem no dia-a-dia no Serviço de Urgências, e nesta época que todos perceberam que era mais exigente, contem com o colaboração do serviço de Psicologia. Estarão aqui a tempo inteiro connosco para apoiar não só a equipa em todas as suas vertentes e classes profissionais, mas também os doentes e acompanhantes que venham a necessitar do seu suporte em situações de stress emocional intenso”, diz.
Casos em que, por exemplo, a pessoa que dá entrada nas Urgências acaba por morrer. Ao psicólogo não cabe dar essa notícia aos acompanhantes, sublinha Eduardo Carqueja, director do serviço de Psicologia, mas apoiá-los na sua assimilação. E também aos profissionais de saúde, em casos, por exemplo, em que a morte não era previsível, mas em que acaba por acontecer.
Antes deste dia, os psicólogos já eram chamados às Urgências sempre que necessário - Eduardo Carqueja recorda o caso recente e trágico do guarda-redes de andebol do FC Porto e da selecção nacional, Alfredo Quintana, que morreu aos 32 anos, e em que um psicólogo foi chamado para prestar apoio à família -, a diferença é que, a partir de agora, eles já se encontram ali. O projecto-piloto tem a duração prevista de três meses, mas a vontade de todos é que seja algo que veio para ficar. “Esperamos que se consiga o objectivo, que é dar melhor qualidade de vida profissional a quem trabalha nas Urgências e dedica muito tempo do seu dia-a-dia a cuidar dos outros, ao mesmo tempo que cuidamos de outra vertente, que passa pelo suporte emocional aos doentes em situações críticas, de algum trauma, de alguma má notícia e aos seus familiares”, diz o responsável pela equipa de psicólogos.
Pelas 17h30, Cláudia Martins ainda estava ao serviço. Apesar de o dia ter sido relativamente tranquilo, havia um caso que ainda poderia precisar da sua ajuda. “Tivemos mais uma entrada de um AVC em que poderá haver necessidade de acompanhar a família que deve estar a chegar”, contou, ao telefone. A psicóloga ia esperar por eles.