Excluir ensino privado dos testes rápidos pode ser inconstitucional, alertam especialistas
Constitucionalistas ouvidos pelo PÚBLICO salientam salvaguarda da saúde pública. Partidos questionam Governo e instituições que representam o ensino privado queixam-se de “discriminação”.
A decisão de deixar de fora alunos e professores do ensino privado da estratégia de testes rápidos no regresso do ensino presencial, noticiada pelo PÚBLICO esta terça-feira, poderá representar uma inconstitucionalidade. De acordo com os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, o acesso aos testes rápidos de antigénio deve ser olhado como uma questão de saúde pública, sendo que, neste ponto, não devem existir diferenciações entre sector público e privado.
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A decisão de deixar de fora alunos e professores do ensino privado da estratégia de testes rápidos no regresso do ensino presencial, noticiada pelo PÚBLICO esta terça-feira, poderá representar uma inconstitucionalidade. De acordo com os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, o acesso aos testes rápidos de antigénio deve ser olhado como uma questão de saúde pública, sendo que, neste ponto, não devem existir diferenciações entre sector público e privado.
“Não deve existir uma discriminação entre o ensino privado, cooperativo e público. [Deixar de fora professores e alunos do ensino privado] Acho que é inconstitucional, ofende a liberdade de aprender e ensinar, o princípio da igualdade e até o direito à protecção da saúde, que abrange pelo menos os alunos – que têm direito a que os professores não estejam infectados”, afirma o constitucionalista Jorge Miranda, em conversa com o PÚBLICO.
O professor catedrático da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa contesta ainda a separação entre sector público e privado neste caso, defendendo que o Governo deve apoiar todas as escolas, assegurando igualdade de direitos no acesso aos testes de antigénio.
Para o professor de Direito Jónatas Machado, a salvaguarda da saúde pública é fundamental para a leitura deste caso, no qual também levanta algumas dúvidas.
“No fundo é a salvaguarda de um interesse público, que é a saúde pública. Acho que para alguns efeitos [a separação entre público e privado] pode ser [feita], mas parece-me um bocado desproporcional”, afirma ao PÚBLICO o especialista em Direito Constitucional.
Esta diferenciação causou forte indignação junto das instituições do ensino privado. A Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) garantiu que não se conformará com uma “discriminação inaceitável”, adiantando em comunicado que iria pedir uma clarificação ao Governo.
Mas, caso estas organizações decidissem contestar judicialmente esta diferenciação, teriam um argumento suficientemente sólido? “Acho que há um argumento forte nesse sentido. É claro que, mesmo no Tribunal Constitucional, há 13 juízes e em muitos casos as decisões são 7 contra 6 e há votos de vencido. Mas acho plausível fazer um argumento nesse sentido. Estando em causa o que está em causa – o princípio da não discriminação e da prossecução de uma finalidade de saúde pública – parece-me que sim”, finaliza Jónatas Machado.
Alunos no privado representam 26% do total
De acordo com os dados recolhidos no portal Pordata, em 2019 estavam matriculados 314.703 alunos no ensino secundário em escolas públicas. Se olharmos para o número de alunos do ensino secundário no sector privado, vemos que estão matriculados em colégios 84.683 estudantes, de acordo com os números mais recentes publicados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, que dizem respeito ao ano lectivo 2018/19.
Nesse sentido, ficarão de fora desta política de testagem, aproximadamente 27% dos alunos neste nível de ensino – o único cujos alunos a estratégia da Direcção-Geral da Saúde (DGS) prevê incluir na testagem maciça. Também ficam de fora 11.266 professores do ensino particular e cooperativo, bem como cerca de 20 mil funcionários não docentes que trabalham nos colégios privados.
“Tenho sérias dúvidas relativamente à constitucionalidade dessa medida. Não a conheço em concreto, mas qualquer medida de política pública – sobretudo naquilo que diz respeito à questão do acesso à saúde – a meu ver não pode assentar em critérios de discriminação negativa ou positiva que não tenham fundamento na Constituição. Por aquilo que me está a dizer, dá-me ideia que a natureza privada ou pública da escola, a meu ver, não é um critério constitucionalmente adequado para fazer distinção em termos de vacinação ou de testes”, resumiu o constitucionalista José Fontes.
Esta segunda-feira, as bancadas parlamentares do PSD e do CDS questionaram o Governo sobre esta separação. No requerimento enviado pelos sociais-democratas, questiona-se o facto de esta medida poder violar “flagrantemente o princípio constitucional da igualdade”, bem como colocar em causa “a própria defesa da saúde pública”. No documento dos centristas, chama-se a atenção para a necessidade de garantir que os alunos e docentes das escolas privadas não sejam penalizados.
Autarquia de Braga paga testes
O Presidente da Câmara Municipal de Braga, Ricardo Rio, deixou a garantia aos bracarenses de que a autarquia vai assegurar a igualdade no acesso aos testes antigénio. Em reacção à notícia do PÚBLICO, Ricardo Rio fez uma publicação nas redes sociais em que se mostrou contra “as opções políticas que tratem de forma discriminatória cidadãos em iguais circunstâncias, apenas em função do seu contexto estar associado ao sector público ou ao sector privado”.
Apesar de deixar claro que as opções técnicas da DGS “devem ser respeitadas”, o autarca – eleito pela coligação Juntos por Braga (PSD, CDS-PP e PPM) – finalizou a publicação ao adiantar que os testes de antigénio vão chegar de forma gratuita a todos os funcionários, professores e alunos.