Regresso a que escola?

Seja num ambiente presencial, seja num ambiente online, o professor tem de ser o referencial, o líder, quem mostra segurança, capaz de auxiliar o aluno nos seus sonhos e nos seus projetos.

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Reuters/TOBY MELVILLE

A pandemia covid-19 deixou a Educação numa autêntica encruzilhada, intensificando enormes dúvidas. Porém, independentemente das direções que se tomem, em qualquer direção ou velocidade, o caminho é exíguo e cheio de adversidades. Contudo, a primeira nota importante é termos a consciência e a compreensão de que estamos a viver uma situação de pandemia, para além de vivermos num permanente Estado de Emergência… E que essas condições se aplicam à “Escola”.

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A pandemia covid-19 deixou a Educação numa autêntica encruzilhada, intensificando enormes dúvidas. Porém, independentemente das direções que se tomem, em qualquer direção ou velocidade, o caminho é exíguo e cheio de adversidades. Contudo, a primeira nota importante é termos a consciência e a compreensão de que estamos a viver uma situação de pandemia, para além de vivermos num permanente Estado de Emergência… E que essas condições se aplicam à “Escola”.

Esta circunstância é de tal maneira relevante, que estamos a exigir a esta “Escola”, nomeadamente, aos professores, aos alunos, às famílias e ao próprio currículo, exatamente o mesmo, como se de um ano normal se tratasse, quando, estamos a viver na história recente da Educação, dois anos letivos completamente atípicos. Não podemos explorar um currículo com o aluno, no mesmo ritmo com que o faríamos, já de si, de forma muito questionável, em ambientes presenciais. Esta questão é determinante para a aprendizagem, porque tentar cumprir um currículo em tempo de pandemia, não considerando o contexto e as circunstâncias em que estamos a aprender e a interagir, torna a situação de maior emergência. Considerar o ritmo de aprendizagem do aluno é, hoje e sempre, importantíssimo, uma vez que não é compatível com o ritmo de exploração do professor, porque os tempos online são diferentes, assim como a reconfiguração da ação educativa. Se vivemos num estado de emergência, é fundamental que na “Escola” se compreenda a necessidade de reconfigurar o tipo de trabalho e interação desenvolvida, porque a ação, o espaço, o tempo, a relação professor-aluno e família, sofreram uma reconfiguração.

As escolas não estão fechadas, não estão paradas, mas o seu contexto é diferente e deve ser entendido por todos os que operacionalizam diariamente a escola, sejam direções, professores, alunos, encarregados de educação e demais intervenientes no processo educativo.

Por outro lado, vão surgindo diversos movimentos e solicitações de “regresso” à escola, desde logo, ilustrando a imperfeição desta escola online, mas que traduz os mesmos defeitos de uma escola anterior à pandemia, aliás, imperfeita e já antes muito desigual.

Concordo com a intenção de voltarmos a uma escola presencial física e geográfica, porém, levanto algumas questões. Desde logo, a que “Escola” queremos voltar? Será um regresso ao tipo de “Escola” de setembro último, em que estando em presença, os alunos permanecem “distantes”? Essa era uma “Escola” melhor? Talvez sim, comparada com a atual, porque na realidade, ambas se encontram muito longe da “Escola” que queremos. Assim, temos de ter algumas cautelas com a “Escola” que desejamos.

Se por um lado, percebemos a necessidade de uma “Escola” de âmbito presencial, promotora de experiências sociais e em contextos ativos, por outro, sabemos a enorme necessidade de uma “Escola” digital, que possa ser pensada para operacionalizar, executar, explorar, monitorizar e aferir com o digital.

Seja num ambiente presencial, seja num ambiente online, o professor tem de ser o referencial, o líder, quem mostra segurança, capaz de auxiliar o aluno nos seus sonhos e nos seus projetos e, para isso, tem de transbordar afeto, cumplicidade, participação no sucesso, na conquista de seu aluno, conduzindo-o pelo processo de construção de conhecimentos.

Todavia, se a “Escola” já deveria há muito ter acompanhado a sociedade digital, também será uma ideia pouco audaz, que esta “apenas” se digitalize. Se repararmos no significado do verbo “digitalizar”, significa converter para um formato digital, através de uma ferramenta, algo de um formato analógico. Ora, será que pretendemos a mesma “Escola”, numa continuidade de práticas e do mesmo tipo de ação e intenção pedagógica, mas desta feita, com um uso digital? Não, essa Escola, não!

Neste caso, reitero a questão, o que pretendemos enquanto “Escola”? Tenho algum receio, e muitas dúvidas, que estes processos digitais, estas experiências, para tantos tão traumáticas pela forma constrangedora de operacionalização, junto com os investimentos feitos pelos professores em autoformação, formação contínua, compra dos equipamentos em falta, como computadores, mesas digitais ou software, acompanhados pelos investimentos das famílias, em equipamentos idênticos, provoquem um processo de negação neste regresso à “Escola”. Que essa “Escola” constitua a oportunidade de usar as aprendizagens feitas até ao momento e incorporar os modelos híbridos de aprendizagem, ao invés de se guardarem os equipamentos digitais nas gavetas e se renegue a mudança do mindset de uma “Escola” atualizada à sociedade.

Para isso, precisamos de um plano estratégico para a Escola, que não seja apenas um plano de digitalização, mas um acordo nacional, que una a esquerda à direita e se agreguem esforços para um plano educativo a dez anos.

Entendemos que a “Escola” mudou na forma de ser e de estar, mas a opinião pública, cheia de especialistas em Educação, ainda não percebeu a mudança de paradigma que estamos a viver na sociedade... E, naturalmente, na Educação.

A ânsia de voltar a uma “Escola” que pode e deve (será?) ser com o digital, mas que colocará alunos mais afastados que a própria distância digital, será uma boa medida? A ânsia de voltar a uma “Escola” cujo pensamento permanece ultrapassado, que precisa urgentemente de um consenso nacional de planeamento, diversificado nos seus contextos, será uma medida eficaz?

A “Escola” é um investimento e não um custo, qualquer país, qualquer sistema político necessita compreender que o seu desenvolvimento se vê pela “Escola” que tem, pela “Escola” que quer...

Devemos começar por atribuir confiança à capacidade que a “Escola” tem de reinvenção, de perceber que não podemos voltar à mesma “Escola”, onde todos esperamos os mesmos resultados. Pensar no regresso à “Escola”, é pensar na reconfiguração da sua pedagogia, na valorização do que é “ser professor”, na atualização e flexibilização (real) dos currículos, nos diversos processos avaliativos, na formação contínua, na desburocratização, nos espaços de aprendizagem, no modelo de gestão, nos tempos… nas pessoas!

Acredito que é possível obter o melhor dos dois mundos; o melhor do que é o mundo presencial e o melhor do que são os ambientes virtuais de aprendizagem: modelos híbridos de aprendizagem. E assim, colocá-los ao serviço de uma melhor Escola, de uma aprendizagem que pode e deve acontecer a qualquer hora e em qualquer lugar.


O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico