Pais com o apoio aos filhos estão a ser penalizados na carreira contributiva
Além da perda salarial, os pais que estão em casa por causa do fecho das escolas dos filhos são prejudicados no registo das remunerações na Segurança Social. Diferença tem impacto nas prestações futuras, como o subsídio de desemprego.
Os trabalhadores que estão a receber o apoio excepcional à família para acompanhar os filhos por causa do encerramento das escolas e das creches estão a ser penalizados na sua carreira contributiva, porque as remunerações registadas pela Segurança Social durante esse período correspondem ao valor do apoio e não à remuneração normal.
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Os trabalhadores que estão a receber o apoio excepcional à família para acompanhar os filhos por causa do encerramento das escolas e das creches estão a ser penalizados na sua carreira contributiva, porque as remunerações registadas pela Segurança Social durante esse período correspondem ao valor do apoio e não à remuneração normal.
O problema foi levantado nesta terça-feira pela provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, que escreveu ao Governo a pedir que encontre uma solução para fazer o registo da equivalência das remunerações na Segurança Social, tal como já acontece em relação aos pais que têm de faltar ao trabalho para dar assistência a um filho infectado com o novo coronavírus ou em isolamento profiláctico, em que, para esse efeito, se aplicam as regras da assistência a um membro do agregado familiar.
Numa carta dirigida ao secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos, o provedor adjunto Joaquim Cardoso da Costa afirma mesmo que estes trabalhadores estão a ser “duplamente” penalizados, porque, como o apoio é inferior ao salário, além do corte remuneratório, enfrentam o problema contributivo.
O ofício está publicado no site da provedora. “Os beneficiários que recorram a estes apoios têm direito a receber dois terços da sua remuneração base (um terço suportado pela entidade empregadora e o outro terço pela Segurança Social), competindo ao trabalhador pagar a respectiva quotização sobre o valor total do apoio e à entidade empregadora 50% da contribuição que lhe cabe pelo total do apoio”, o que significa que “os registos de remunerações são efectuados com base apenas no valor total do apoio pago, não havendo lugar ao registo de remunerações por equivalência relativo ao diferencial entre a remuneração normal do trabalhador e o valor do apoio”, chama a atenção o provedor adjunto de Maria Lúcia Amaral.
Neste momento, os trabalhadores por conta de outrem que são apoiados só recebem 100% da remuneração-base se os dois pais optarem por partilhar a assistência aos filhos de forma alternada semanalmente (esta mudança é recente e depende desta condição, porque o regime normal do apoio continua a ser o pagamento de 66% da remuneração-base).
Cobrir a diferença
A provedora afirma que os pais estão a ser “duplamente penalizados nas respectivas carreiras contributivas: por um lado, pelo facto de o valor do apoio ser calculado por referência apenas à remuneração de base normalmente auferida, e, por outro, pelo facto de, não havendo registos por equivalência à entrada de contribuições relativamente à diferença entre a remuneração normal do trabalhador e o apoio pago, as remunerações registadas nas respectivas carreiras contributivas, durante o período em causa, corresponderem a um valor significativamente inferior ao da remuneração normal do trabalhador”.
O problema poderá estar a afectar cerca de 60 mil pais (segundo os dados mais recentes publicados pelo Ministério do Trabalho, o apoio à família abrangia a 10 de Fevereiro 58.858 mil trabalhadores por conta de outrem).
Resolver o problema apontado pela provedora de Justiça evitaria que os trabalhadores ficassem prejudicados no cálculo de outras prestações sociais.
O provedor adjunto afirma não ser justo que “esses pais — que objectivamente se viram obrigados a faltar ao trabalho para prestar assistência aos seus filhos [menores de 12 anos] em consequência de uma decisão que lhes foi imposta — sejam duplamente prejudicados: quer no que respeita à perda de retribuição (já que o apoio corresponde a apenas dois terços da remuneração base que auferem), quer ainda no que se refere à respectiva carreira contributiva” e “nos cálculos das prestações sociais que futuramente venham a requerer”.
Corrigir registos do layoff
Esse problema já se tem colocado em relação a trabalhadores que estiveram em layoff simplificado, porque também aí a Segurança Social ainda não fez a equivalência das remunerações.
A provedora de Justiça também chama a atenção do Governo para essas situações, sublinhando que já recebeu queixas de trabalhadores que “não viram reflectidos nas respectivas carreiras contributivas os registos por equivalência à entrada de contribuições a que haveria lugar” e que, entretanto, ao terem direito a receber outras prestações (por exemplo, um subsídio de desemprego, um subsídio por risco clínico durante a gravidez ou mesmo o apoio aos pais), receberam um valor mais baixo do que aquele que deveriam receber.
No caso do layoff simplificado, o problema é de operacionalização, já que, como recorda a provedora de Justiça, a regulamentação de 2011 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social estabelece que os registos das remunerações dos trabalhadores em layoff, para efeitos contributivos, equivalem ao valor correspondente à diferença entre a remuneração normal e a efectivamente paga ao trabalhador ao enfrentar uma “redução de actividade ou suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial”.
No entanto, alerta o provedor adjunto, “na maioria dos casos reportados à provedora de Justiça, tais omissões implicaram que as prestações sociais entretanto atribuídas aos visados (designadamente, prestações de parentalidade, doença e desemprego) tivessem sido calculadas com base em valores inferiores aos correctos, resultando na atribuição de prestações de valor também inferior ao que lhes seria efectivamente devido”.
A Segurança Social estará a procurar resolver o problema; a provedora de Justiça diz que é urgente resolvê-lo, pois o problema arrasta-se “pelo menos” desde Novembro e “compromete, para muitos cidadãos, o direito à integralidade das prestações sociais devidas”.
A provedora questionou o Instituto da Segurança Social em Dezembro e, embora ainda aguarde a resposta formal, diz ter recebido uma explicação de que a aplicação através da qual se faz aquele registo por equivalências “não se adequa às actuais situações de layoff simplificado, designadamente por, nestes casos, ter sido dada às empresas a possibilidade de pagarem aos seus trabalhadores uma compensação de valor superior ao limite máximo legalmente estabelecido para o layoff”.
Como resultado, diz a equipa da provedora, “terá havido a necessidade de parametrizar um novo modelo aplicacional, cuja implementação estará em curso, e que, uma vez concluída, determinará a rectificação das carreiras contributivas de todos os visados e o recálculo das prestações que aos mesmos hajam sido atribuídas”.
No entanto, “apesar do tempo entretanto decorrido”, afirma o provedor adjunto, “a situação continua por regularizar, verificando-se um alarmante aumento do número de casos de cidadãos que se vêem prejudicados no montante das prestações sociais a que, entretanto, acederam, e aos quais urge dar resposta”.
E insiste: “Importa não esquecer que estamos perante prestações sociais substitutivas da perda dos rendimentos do trabalho – máxime, subsídio por risco clínico durante a gravidez, subsídio parental, subsídio de desemprego, subsídio de doença – cuja salvaguarda, num contexto de crise como a actual, emerge como uma prioridade inquestionável.”