Desconfinamento deve começar com creches e locais de trabalho sem contacto com público — incluindo venda ao postigo
No Infarmed, Baltazar Nunes previu que a 15 de Março o país estará “muito perto” de ter a pandemia controlada — com excepção de Lisboa, onde a incidência é maior. Especialistas defenderam meta de 60 casos por cem mil habitantes para desconfinar, entre outros indicadores. Henrique Barros pede que medidas sejam tomadas antecipando o pior cenário em dez dias.
Os primeiros detalhes de um possível plano de desconfinamento foram apresentados nesta segunda-feira, no Infarmed. Foi a Raquel Duarte, da Administração Regional de Saúde do Norte e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que coube traçar linhas para o futuro: apresentou uma proposta para um plano de redução das medidas restritivas devido à covid-19 que prevê, numa primeira fase, a reabertura das creches e do pré-escolar e dos locais de trabalho sem contacto com o público, tal como venda ao postigo.
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Os primeiros detalhes de um possível plano de desconfinamento foram apresentados nesta segunda-feira, no Infarmed. Foi a Raquel Duarte, da Administração Regional de Saúde do Norte e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que coube traçar linhas para o futuro: apresentou uma proposta para um plano de redução das medidas restritivas devido à covid-19 que prevê, numa primeira fase, a reabertura das creches e do pré-escolar e dos locais de trabalho sem contacto com o público, tal como venda ao postigo.
Segundo este plano, as medidas deverão ser avaliadas a cada duas semanas, o que poderá permitir a abertura dos 1.º e 2.º ciclos 15 dias depois do início do plano de desconfinamento.
Já a restauração só abrirá portas numa terceira fase e só “o serviço de esplanada pode ser feito, desde que sejam cumpridas as regras”. É nesta altura que se permite os encontros com pessoas para além da família próxima, “associação a outras seis pessoas do conjunto sociofamiliar”. Mas sempre com máscara.
Este plano é apresentado de acordo com uma escala de risco, composta por cinco níveis – a começar no nível 5, nível de risco máximo, e que corresponde ao confinamento total. A escala foi apresentada por Óscar Felgueiras, assessor do conselho directivo da Administração Regional de Saúde do Norte e professor do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, que trabalhou com Raquel Duarte.
- o nível 5 (elevado) corresponde a uma incidência de 240 casos ou mais por cem mil habitantes;
- o nível 4 (alto) a 120 casos ou mais por cem mil habitantes;
- o nível 3 (médio) a 60 casos ou mais por cem mil habitantes;
- o nível 2 (baixo) a 30 casos ou mais por cem mil habitantes;
- e o nível 1 (muito baixo) de zero até 30 casos por cem mil habitantes.
“Estamos agora no patamar de risco 3 desta classificação, a aproximarmo-nos do 2, ainda que recentemente tenha existido uma desaceleração no decréscimo e não é óbvio se vamos passar já para o nível 2”, apontou Óscar Felgueiras.
Foi com base nessa escala que, minutos mais tarde, Raquel Duarte apresentou um plano para o desconfinamento, com medidas específicas, mas com uma salvaguarda: no momento do desconfinamento, todo o país deverá adoptar medidas de nível 4, independentemente do número de casos a nível concelhio.
Depois, a descida de nível é feita de 15 em 15 dias. “Só a manutenção sustentada em níveis de risco inferiores durante duas semanas, que são os períodos de avaliação propostas, deverá permitir a descida para o nível imediatamente a seguir”, disse Raquel Duarte. Há, porém, uma excepção: para passar do nível 2 para o 1 são precisas duas avaliações positivas sucessivas.
Raquel Duarte – cuja apresentação, de acordo com a ministra da Saúde, Marta Temido, inclui informações a considerar para o desconfinamento – referiu ainda que há medidas que serão aplicadas a nível local, e que serão avaliadas a cada duas semanas, de acordo com o modelo sugerido. Eis algumas medidas:
Escolas
- Planeamento pensado a nível nacional;
- No nível 4, o pré-escolar (e as creches) será o primeiro a reabrir. A medida será avaliada a cada duas semanas, o que poderá permitir a abertura dos 1.º e 2.º ciclos. As universidades serão as últimas a reabrir em pleno;
- Uso de máscara e cumprimento do distanciamento físico.
Actividade laboral
- O teletrabalho deve continuar a ser a regra, sempre que possível;
- No caso de não ser possível, devem testar-se os funcionários que não são prioritários na vacinação e adoptar horários desfasados, entre outras medidas de segurança;
- No nível 4, reabrem trabalhos sem contacto com o público. Depois de 14 dias, pode ser permitida a abertura dos locais de trabalho com locais comuns com contacto com o publico, mas sem contacto físico;
- Só no nível seguinte é permitido contacto físico individual com o público.
Comércio, retalho e restauração
- No nível 4, mantém-se a venda ao postigo, com o cumprimento de horário reduzido;
- No nível 3, podem reabrir os restaurantes com serviço de esplanada, desde que sejam cumpridas as regras.
Convívio familiar
- Só no nível 3 se permite a “associação a outras seis pessoas do conjunto sociofamiliar”, pessoas com relação mais estreita, mas com máscara.
Algumas regras gerais
- Durante as fases iniciais do desconfinamento e até ao nível 2 deve haver restrição de funcionamento ou horário. Actividades devem poder funcionar até 21h nos dias úteis e sábados até as 13h;
- Recolher obrigatório deve manter-se até ao nível 2;
- Não pode haver horas de ponta. Deve haver prioridade ao transporte individual e pode ser necessário promover o aumento da rede de transportes para evitar aglomeração de utentes. Transportes devem funcionar a 25%, num primeiro momento;
- Para perceber se estas regras estão a ser cumpridas, a população deve ser ouvida, mas também deve recorrer-se a outras ferramentas, como barómetros ou indicadores de mobilidade.
A 15 de Março, ocupação em UCI será a “desejada"
A Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Ricardo Jorge, coube, segundo a ministra, apresentar os “critérios para uma epidemia controlada”. O especialista disse que a tendência de novos casos no país é “decrescente”, prevendo que a 15 de Março Portugal esteja “muito perto dos 60 casos por cem mil habitantes” e com uma taxa de ocupação das unidades de cuidados intensivos que é a desejada”.
“No que toca aos indicadores secundários, que são muito relevantes, verificamos que a taxa de positivos está em cerca de 3,3%, a percentagem de casos e contactos isoladas nas 24 horas seguintes encontra-se em cerca de 100%, o atraso de notificações muito perto de 10%”, referiu o especialista.
Segundo Baltazar Nunes, a região de Lisboa e Vale do Tejo apresenta uma taxa de incidência da covid-19 na população acima da média nacional: “Há alguma diversidade. Algarve, Alentejo, Centro e Norte já se encontram abaixo dos 120 casos por cem mil habitantes. O mesmo não se observa em Lisboa e Vale do Tejo.”
O epidemiologista do Instituto Ricardo Jorge revelou que as últimas projecções de internamentos em unidades de cuidados intensivos (UCI) foram superiores aos valores actualmente registados. Nesse sentido, as mais recentes previsões apontam para que no final do mês de Março estejam 120 doentes internados em UCI. “As nossas projecções falharam por excesso, o que é bom. Actualmente, a meio de Março, projecta-se uma ocupação de cuidados intensivos de 240 doentes e, no final de Março, projecta-se uma ocupação de 120 doentes internados em cuidados intensivos.”
Contudo, a taxa de incidência actualmente registada significa que “as medidas são para manter por enquanto”.
Tomar medidas antecipando o pior cenário em dez dias
Na reunião no Infarmed, Henrique Barros, especialista em saúde pública e epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), propôs que se implementem medidas de antecipação de acordo com a previsão da incidência cumulativa, do número de internamentos totais e em UCI por milhão de habitantes a 14 dias.
“Imaginar como é que, em cada momento, está a incidência dos últimos 14 dias ou o valor actual dos internamentos e a partir desses valores prever o que irá acontecer nos próximos 14 dias. Em função daquilo que se espera, decidir já, tirando partido do facto de sabermos que as medidas demoram cerca de dez dias a actuar e, portanto, temos a evidência do que poderá acontecer no pior cenário ao fim desses dez dias”, disse.
Henrique Barros apresentou um esquema de cinco níveis, menos e mais restritivos, que podem ser adoptados, tal como já se fez noutros planos de desconfinamento. Este sistema de níveis, diferente do apresentado por Raquel Duarte, concebe que apenas no nível mais grave se interrompa o ensino presencial e se encerrem as creches. Nos níveis intermédios, devem encerrar-se cafés, restaurantes e comércios e, antes do desconfinamento total, surge a proibição de reuniões com mais de 50 pessoas.