Perspetivar a ciência como elevador da coesão
É crucial uma rede de centros de produção de conhecimento diversificada e com uma distribuição mais equitativa pelo país, com impacto no território.
A análise do efeito dos fundos comunitários de que Portugal beneficiou nos diversos quadros comunitários permite verificar que ainda se registam no país acentuadas assimetrias regionais, acompanhadas de um preocupante esvaziamento populacional das regiões deprimidas. Contudo, surgem sinais de esperança que podem contrariar esta tendência. Vejamos o caso da ciência.
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A análise do efeito dos fundos comunitários de que Portugal beneficiou nos diversos quadros comunitários permite verificar que ainda se registam no país acentuadas assimetrias regionais, acompanhadas de um preocupante esvaziamento populacional das regiões deprimidas. Contudo, surgem sinais de esperança que podem contrariar esta tendência. Vejamos o caso da ciência.
Os resultados divulgados pela FCT são um grande passo na evolução e no reforço da rede de Laboratórios Associados, os nossos principais centros de ciência. Revela ainda um aumento de 25 para 40 laboratórios que se traduz em mais 30% de financiamento global anual (passa de 59 milhões de euros até 2019 para 77 milhões de euros a partir de 2021), sendo acompanhado por novas centralidades. A criação de novos Laboratórios Associados em Évora, Vila Real e Bragança, para além do reforço nos principais centros urbanos, abre novas perspetivas para o desenvolvimento regional.
Estes resultados revelam também a consolidação de novas áreas de apoio às políticas públicas, designadamente da transição digital e ambiental, com novos laboratórios em áreas com impacto no desenvolvimento regional, como as ciências agrárias, as ciências alimentares e os sistemas digitais, distribuídos pelo país. Trata-se de um passo importante para contrariar a concentração e o centralismo reinante da órbita quer nacional, quer regional, contribuindo para que se alcance um desenvolvimento territorial mais equilibrado.
É consensual que as regiões se tornam mais competitivas se apostarem nas fileiras e em produtos de maior valor acrescentado, o que apenas é possível através do aumento da produtividade dos fatores produtivos endógenos, da criação de produtos inovadores mais valorizados, ou de ambos. Neste processo, é indispensável a adoção de estratégias articuladas de produção e de valorização do conhecimento, visando o desenvolvimento de atividades que conduzam ao crescimento económico.
É evidente que a ciência cria mercados e gera novos empregos, mas também que a conceção de novas atividades económicas geradoras de inovação com elevado valor acrescentado conduz a novos desígnios científicos. Para tal, é crucial uma rede de centros de produção de conhecimento diversificada e com uma distribuição mais equitativa pelo país, com impacto no território.
Dito isto, é determinante continuar esta trajetória de correção de políticas erradas do passado, permitindo um acesso mais equitativo às verbas destinadas à investigação. Ao contrário do que tem sido veiculado por alguns comentadores com claros “tiques centralistas”, este cenário não implica a menorização da ciência e, muito menos, exige a regionalização da investigação.
A serem válidos os argumentos apresentados por esses comentadores, a conclusão a retirar seria a de que toda a investigação devia ser concentrada nas grandes metrópoles da União Europeia, o que é obviamente um absurdo e socialmente inaceitável, logo de todo rejeitável.
Importa agora que o sistema científico, de forma articulada com as empresas, possa dar resposta às novas solicitações de criação e de apropriação do conhecimento, visando explorar as oportunidades que emergem numa primeira fase do plano de resiliência e recuperação, em articulação com o próximo ciclo de programação.
Da mesma forma que o sistema científico esteve na linha da frente no combate à pandemia, também deve ter um papel relevante na recuperação económica e social do país no período pós covid, quer na qualificação e modernização do potencial humano, quer na produção e exportação de bens e serviços de maior valor acrescentado.
Assim, é fundamental que o próximo ciclo de programação do Portugal 2030 considere estratégias de apoio às instituições científicas dos ditos territórios desafiantes como uma prioridade na organização de um programa estruturado de desenvolvimento, de inovação e de empreendedorismo com impacto em áreas estratégicas da economia regional.
A visão clara e equilibrada, sustentada num conhecimento real das potencialidades de todo o país, transformará a ciência num elevador, bem relevante, da coesão em Portugal.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico