Quando 20 milhões de brasileiros emergirem da crise pandémica sem emprego, “como é que vão reagir?”

O ex-Presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, que participou no programa do 31.º aniversário do PÚBLICO, diz que “talvez o problema mais grave com o qual nos vamos confrontar, quando terminar essa crise, seja a falta de esperança”.

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Fernando Henrique Cardoso foi Presidente do Brasil entre 1995 e 2002 PAULO WHITAKER/Reuters

Se o pesadelo são os números recorde de mortos por covid-19 que o Brasil enfrenta hoje, o acordar desta pandemia pode aliviar a questão da saúde, mas não libertará de repente o país do futuro sombrio no horizonte. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, está convencido de que “o problema mais grave” que os brasileiros terão de enfrentar no pós-covid será “a falta de crença” em si mesmos.

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Se o pesadelo são os números recorde de mortos por covid-19 que o Brasil enfrenta hoje, o acordar desta pandemia pode aliviar a questão da saúde, mas não libertará de repente o país do futuro sombrio no horizonte. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, está convencido de que “o problema mais grave” que os brasileiros terão de enfrentar no pós-covid será “a falta de crença” em si mesmos.

“Precisamos de criar de novo uma visão de que o Brasil vai dar certo”, retomar o sonho de Juscelino Kubitschek, o Presidente visionário que criou uma capital no meio do nada, Brasília. “Porque o problema mais grave com o qual nos vamos confrontar é a falta de esperança”, disse o antigo chefe de Estado, numa conversa moderada pela jornalista Teresa de Sousa no âmbito da programação da festa do 31.º aniversário do PÚBLICO.

Com uma economia em crise por causa do covid-19 e um desemprego em alta, o que acontecerá ao Brasil quando a pandemia passar?

“Na população brasileira deve haver pelo menos 20 milhões de pessoas que não têm o que fazer, não têm ocupação”, e que se verão incapazes de arranjar emprego, disse Fernando Henrique Cardoso, conhecido pelas iniciais FHC. “Ou porque não têm formação para conseguir emprego no mundo contemporâneo, ou porque são velhos e não têm energia para trabalhar ou porque não há emprego: como é que vão reagir a isso?”

Ainda para mais, como ressalva o antigo Presidente, que este ano faz 90 anos, quando nestes “momentos, que são sempre escorregadios, há o perigo de a demagogia prevalecer”.

“Haverá uma nova vaga de populismo? Ou será que as pessoas, depois de tudo o que passaram, vão ter mais consciência do seu próprio valor como ser humano e exigir mais do que simplesmente as palavras?”, pergunta FHC, acrescentando mais uma questão: “Será que no Brasil haverá quem tenha capacidade de contaminar as outras pessoas com a esperança, com a confiança?”

FHC tem mais perguntas que respostas para essas questões sobre o amanhã brasileiro, nomeadamente quem será capaz de conduzir este povo “num certo caminho”. Do que está mais ou menos certo é que será preciso “uma espécie de redescoberta de um caminho da luz” e da importância dos líderes na resposta a essas perguntas: “Quem vai ter capacidade de desenhar, imaginar um futuro?”

“Teremos líderes capazes de entender o mundo”, um mundo onde a globalização vai continuar presente e a questão não resolvida das soberanias face à dependência de outros países estará aí para ser gerida? “Se você não tem uma liderança capaz de entender o que se está passando no mundo, essa liderança fica canhestra, fica provinciana”, disse o ex-chefe de Estado.

Por isso, outra das incógnitas para o futuro do Brasil, a pensar nas eleições presidenciais de 2022, é saber se o país conseguirá “superar o momento de provincianismo” e ter um líder capaz de entender que as questões domésticas do dia-a-dia “pesam mais”, mas que “as questões internacionais condicionam o nacional”.

Numa clara alusão a que o Brasil precisa de outro Presidente que não Jair Bolsonaro, mesmo não lhe referindo o nome, Fernando Henrique Cardoso conclui que o Brasil vai precisar de “líderes que entendam esse mundo complexo e que não optem por uma confrontação com um dos lados”, num conflito que ainda não existe, que nem se sabe se vai existir e que tomara não venha a existir.