O conto do coelho, do lobo e do castor

Quando aprendermos a viver em harmonia com a natureza, quando o foco for em cuidar e não em domar, quando a base for a coexistência, não o conflito, quando o eco for mais importante do que o ego, será possível imaginar um Portugal mais selvagem.

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HANNA KNUTSSON/UICN

A história do coelho, do lobo e do castor começa na Ibéria selvagem do passado, ainda intocada pela presença humana. No passado, o pequeno coelho era tão abundante que deu o nome à península, “Hispania”, “terra dos coelhos”. Por ser tão comum suportava uma grande diversidade de espécies, desde raposas a corujas, do belo lince-ibérico à majestosa águia-imperial, e até abutres dependiam do pequeno coelho. O lobo era o predador de topo, corria serras, planícies e planaltos, em florestas, prados e pântanos. Caçava animais velhos, fracos e doentes: cavalos selvagens, cabras montesas, veados, corços e javalis. O castor, engenheiro de ecossistemas, moldava as ribeiras e rios desde as costas do Mediterrâneo ao Atlântico, passando por lagos e estuários. Criava zonas pantanosas, que permitiam a abundância de anfíbios, peixes e uma grande diversidade de insectos e garantia que a água trazida pelas chuvas da Primavera durava ao longo do quente e seco Verão da península.

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A história do coelho, do lobo e do castor começa na Ibéria selvagem do passado, ainda intocada pela presença humana. No passado, o pequeno coelho era tão abundante que deu o nome à península, “Hispania”, “terra dos coelhos”. Por ser tão comum suportava uma grande diversidade de espécies, desde raposas a corujas, do belo lince-ibérico à majestosa águia-imperial, e até abutres dependiam do pequeno coelho. O lobo era o predador de topo, corria serras, planícies e planaltos, em florestas, prados e pântanos. Caçava animais velhos, fracos e doentes: cavalos selvagens, cabras montesas, veados, corços e javalis. O castor, engenheiro de ecossistemas, moldava as ribeiras e rios desde as costas do Mediterrâneo ao Atlântico, passando por lagos e estuários. Criava zonas pantanosas, que permitiam a abundância de anfíbios, peixes e uma grande diversidade de insectos e garantia que a água trazida pelas chuvas da Primavera durava ao longo do quente e seco Verão da península.

Hoje, na Ibéria alterada, domada do presente, a abundância de coelho deu lugar à escassez, o lobo está confinado ao Norte de Portugal em pequenas alcateias e o castor desapareceu da maioria da península, ocupando apenas a bacia do rio Ebro. Tanto a diminuição dos territórios como a escassez destas espécies desequilibrou o ecossistema. Hoje o coelho é raro e é uma espécie ameaçada, já não desempenha o seu papel como base do ecossistema. O lobo foi reduzido e as suas presas ou estão localmente extintas (como os cavalos selvagens, cabras montesas, corços e veados) ou são praga (javali). Está muitas vezes dependente de animais domésticos para alimento e já não desempenha o seu papel. É visto como uma ameaça às criações de gado e a sua função como regulador do ecossistema está esquecida. O castor, há muito perdido das terras portuguesas, também está esquecido na memória, poucos sabem que é um animal nativo de Portugal e Espanha. A sua ausência transformou ribeiros calmos, que corriam o ano inteiro, em linhas de água bravas que correm só durante algumas semanas ou meses.

Olhando para o passado como inspiração, sonhemos o futuro, imaginemos uma Ibéria mais selvagem. Através do controlo da caça, erradicação das doenças e restauro de habitats, o coelho volta a ser abundante. A implementação de mais e melhores medidas de coexistência e o regresso das suas presas selvagens leva o lobo a reconquistar antigos territórios e a recuperar o seu papel como predador de topo. Ribeiros intermitentes voltam a ser permanentes e zonas pantanosas são restauradas graças ao regresso do castor. A água já não foge da paisagem, quando chove fica, encharcando os solos e enchendo aquíferos.

Quando aprendermos a viver em harmonia com a natureza, quando o foco for em cuidar e não em domar, quando a base for a coexistência, não o conflito, quando o eco for mais importante do que o ego, será possível imaginar um Portugal mais selvagem. Onde há prados com coelhos, linces e águias. Onde os lobos caçam cavalos selvagens, veados, corços, cabras montesas e javalis. Onde o castor é livre para transformar a paisagem seca e árida em zonas húmidas alagadas a fervilhar de vida. Urge restaurar a natureza, precisamos de áreas onde os animais possam ser livres, onde os rios possam ser rios, onde a natureza possa ser selvagem.