As curiosidades do 31 e a boa estrela de um aniversário
A propósito dos 31 anos do PÚBLICO, algumas curiosidades históricas em torno de um número turbulento.
Não é um número bem-afamado, o 31. E há muito que se discutem as origens dessa má fama, se de um jogo de azar, se de zaragatas, se de uma revolta nascida a 31 de um mês qualquer. O certo é que, alheio a tais elucubrações do passado, o jornal PÚBLICO prepara-se para chegar aos 31 anos de existência, neste 5 de Março, iniciando o segundo ano da sua quarta década. E os que o fazem e seguem só desejam motivos para repetir-lhe os parabéns muitas mais vezes.
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Não é um número bem-afamado, o 31. E há muito que se discutem as origens dessa má fama, se de um jogo de azar, se de zaragatas, se de uma revolta nascida a 31 de um mês qualquer. O certo é que, alheio a tais elucubrações do passado, o jornal PÚBLICO prepara-se para chegar aos 31 anos de existência, neste 5 de Março, iniciando o segundo ano da sua quarta década. E os que o fazem e seguem só desejam motivos para repetir-lhe os parabéns muitas mais vezes.
Mas isso não resolve o problema do 31. Cujo enigma é, ele próprio, um 31. Se procurarmos no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (Lisboa, 1981), leremos estas definições em “Trinta-e-um”: “Jogo de cartas, de azar, em que se distribuem três cartas a cada parceiro, pedindo este as que julga precisas para se aproximar de trinta e um pontos, número que, uma vez excedido, faz rebentar [ou seja, perder] o jogador”; mas também temos “embrulhada, zaragata, desordem”; ou, no Brasil, a expressão “bater o trinta-e-um”, morrer [possivelmente derivada do citado jogo de cartas, em que “rebentar” ou “morrer” equivale a perder]; ou “coisa dita apenas, sem que fique escrita” [o célebre “trinta-e-um de boca”].
Já os muito anteriores Diccionario da Lingua Portugueza do Padre Rafael Bluteau (Lisboa, 1789) ou Diccionario da Lingua Portugueza de Antonio de Moraes Silva (Rio de Janeiro, 1813), não registando zaragatas alusivas, explicam na entrada “Trinta”: “Jogo de cartas, em que ganha, ou empata quem faz 30, ou fica em ponto mais proximo a elles que o do contrario.” Se se trata, como parece, do mesmo jogo, passou de “Trinta” a “Trinta-e-um” no espaço de um século. O que é corroborado pelo Thesouro da Lingua Portugueza de Frei Domingos Vieira (1874, Vol. 5, p. 822), onde se diz claramente: “Jogo de cartas em que ganha ou empata quem faz trinta, ou fica em ponto mais proximo a elles que o contrario: hoje em logar de trinta é trinta e um.”
Esta última referência consta de uma discussão, travada em torno das origens do trinta-e-um, no “Portuguese Language Stack Exchange”, site para linguistas, professores e alunos interessados em discutir pormenores e curiosidades da língua portuguesa, onde houve quem apresentasse provas da sua existência no dicionário de Cândido de Figueiredo (1899), numa citação d’ O Ecco, Jornal Critico, Literario, e Politico de 22 de Dezembro de 1835 (“Alli se vião baralhos de cartas de todas as castas, honrados com os longos serviços e glorias adquiridas nos jogos do pilha, da bisca, do truque, e trinta e um”) e num folhetim do Universo Illustrado (1878).
Há ainda o fado, convém não esquecer. E também a respeito dele se discute onde foram buscar o número que lhe dá nome. Ao jogo? Às zaragatas? Às revoltas? Talvez à soma de tudo isso. A revolta militar do 31 de Janeiro de 1891, no Porto, pode ter ajudado a apimentar a expressão que viria a tomar forma musical no Fado do 31: “Agrava-se a chinfrineira/ Vai aumentando o zum-zum/ Vem bomba, rebenta, pum/ Depois mais tarde vereis/ 24, 26, 29 e 31”. A cadência final ajusta-se ao jogo (somando pontos até rebentar), mas o resto faz eco da turbulência da época, com pronunciamentos, revoltas, a queda da monarquia e a implantação da república.
O fado, aliás, foi escrito nos alvores do regime republicano por um jornalista (e autor teatral) que era também militar: o coronel José Maria Sardinha Pereira Coelho (1879-1963). Pois Coelho escreveu a letra que outro Coelho (Alves Coelho) musicou, destinando o fado à revista O 31, estreada em 1913 (e talvez o jogo 13-31 fizesse parte da charada). Certo é que o Fado do 31 foi ali defendido e celebrizado pela actriz e fadista Maria Victoria, que viria a morrer bem nova, de tuberculose, dizem uns que aos 24 anos e outros aos 27. Tristemente, antes dos 31 que cantou.
O Fado do 31 seria ainda citado no Fado do 17, escrito para a revista Arre Burro (1936) e aí cantado por Beatriz Costa: “Foi-se o biscoito, a bomba e o pum/ ficou tudo sossegado/ morreu o fado do 31”, concluindo: “Ai, Portugal, é que é só conversar, falazar, falazar” (referência a Salazar, que já então pairava sobre o país, encabeçando a ditadura chamada “Estado Novo”).
O que desejar, pesando bem tudo isto? Que a história nos seja útil. E que venha de lá o 32!