Burlas de crédito disparam com a pandemia e deverão agravar-se com fim das moratórias
Continua a haver pessoas a perder casas que valem perto de 200 mil euros por pequenos empréstimos concedidos por entidades fraudulentas. Aumentam as ofertas de crédito feitas por canais digitais partir do estrangeiro.
Da pequena à grande burla, da pessoa com baixa escolaridade até licenciados. A actividade de concessão de crédito por entidades não autorizadas, ou melhor, por entidades fraudulentas, tem vindo a aumentar nos últimos anos e a ficar cada vez mais sofisticada.
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Da pequena à grande burla, da pessoa com baixa escolaridade até licenciados. A actividade de concessão de crédito por entidades não autorizadas, ou melhor, por entidades fraudulentas, tem vindo a aumentar nos últimos anos e a ficar cada vez mais sofisticada.
Em 2020, os casos que chegaram ao Banco de Portugal (BdP), por denúncia de vítimas ou pedidos de informação prévios, deram um salto de 50%. O BdP interveio em 350 processos, um número que é uma pequena amostra dos crimes efectivamente praticados. Para o aumento de casos contribuiu o impacto da pandemia de covid-19, que esteve na origem do aumento de situações de desemprego ou de perda de rendimentos para muitas famílias.
E o cenário actual, com novo confinamento e várias actividades completamente encerradas, que será agravado pelo fim das moratórias de crédito que se avizinha, cria condições para que a actividade fraudulenta e o número de vítimas possa aumentar significativamente no corrente ano.
São as dificuldades, o desespero, ou a vergonha que atiram as pessoas para ofertas de crédito fora do radar dos bancos e de outras instituições financeiras autorizadas a fazê-lo, ficando nas mãos de redes que apenas pretendem extorquir-lhes dinheiro ou outros bens, agravando ainda mais a sua situação financeira.
Se em algumas situações as vítimas são maioritariamente pessoas com baixos conhecimentos financeiros ou idosas, que pagam à cabeça quantias que podem chegar aos 200 euros para ter um empréstimo que nunca chega a concretizar-se, há casos de burla que envolvem pessoas com formação superior e empréstimos de algum valor, com condições que podem gerar perdas muito elevadas.
Há casos que chegam ao Banco de Portugal em que as taxas de juro cobradas ficam perto dos 300%, o que dificulta, desde logo, o seu pagamento. E que têm ainda associadas garantias de hipoteca de imóveis, cheques pré-datados ou declarações de dívidas, que podem ser executadas no caso de não pagamento, o que acontece com frequência.
E, tal como o PÚBLICO denunciou em 2017, continua a verificar-se um número considerável de casos de pessoas que acabam por perder as suas casas ou outros bens por causa de empréstimos de 20 ou 30 mil euros, mas em que o valor do imóvel dado como garantia, através de escrituras de compra e venda ou hipoteca, realizadas com a conivência de advogados e notários, pode aproximar-se dos 200 mil euros. Toda burla visa isso mesmo, criar condições, através de mensalidades elevadas, de várias centenas de euros, que os particulares não possam cumprir, para dessa forma obter o lucro mais apetecido, os bens dados como garantia.
As burlas são cada vez mais sofisticadas, através de websites que replicam muitas vezes a imagem de instituições nacionais ou estrangeiras autorizadas a operar em Portugal, alterando apenas uma letra da marca registada, o que dificulta a percepção de que se trata de uma entidade fraudulenta. São praticadas muitas vezes a partir de países estrangeiros, nomeadamente do Brasil, o que dificulta o seu sancionamento.
No âmbito da fiscalização da actividade financeira fraudulenta, que também inclui esquemas fraudulentos de recepção de dinheiro, em troca de rentabilidades elevadas, os chamados “esquemas Ponzi” ou pirâmides, mais recentemente envolvendo criptomoedas, levaram o Banco de Portugal a tomar várias medidas, que em 2020 registaram uma variação de 180% face a 2019.
Dessas iniciativas destaca-se a instauração de 14 novos processos contra-ordenacionais contra diversas entidades, pela prática indiciada de actividade financeira não autorizada e de publicidade reservada a entidades habilitadas.
PSD quer nova lei
A experiência mostra que, dado o historial de dificuldades financeiras, associadas muitas vezes a outros problemas sociais, as pessoas afectadas não têm capacidade para tentar recuperar judicialmente o que lhes foi indevidamente retirado.
As queixas enviadas à Procuradoria-Geral da República – 47 em 2020 por parte do BdP, por indícios da prática de 69 crimes associados ao desenvolvimento de actividade financeira ilícita, nomeadamente de recepção de depósitos/fundos reembolsáveis, burla, falsificação de documentos, usura, extorsão, ameaça, branqueamento de capitais e infracções de natureza fiscal – não têm tido resultados práticos visíveis, a que não é alheia a dissimulação das estruturas a partir de outros países.
O supervisor divulgou alertas ou public warnings relativos a 40 entidades e encerrou 15 sites. Deu ainda resposta a 106 solicitações e denúncias do público, nomeadamente com vista a prevenir e auxiliar na reparação das possíveis consequências de burlas.
As ofertas de crédito chegam cada vez mais pelos canais digitais, mas também através de anúncios em jornais e revistas. A pensar nesta facilidade de divulgação, mas também noutras medidas, o PSD apresentou recentemente um projecto de lei para criar um quadro legal de protecção do consumidor e prevenção da venda não autorizada de produtos financeiros, como seguros ou fundos de pensões.
Nesse projecto, o partido social-democrata pretende que sejam criados limites à publicidade enganosa, obrigando, por exemplo, que “todas as agências de publicidade e anunciantes passem a ter de consultar os registos online e públicos dos reguladores do sector financeiro”, de modo a “verificar se aquela entidade está habilitada por algum dos reguladores”.