EUA: Benjamin tem 14 anos e está a ajudar centenas de pessoas a serem vacinadas
Nos EUA, muitos não conseguem uma marcação para serem vacinados contra a covid-19 por falta de perícia informática. Mas, agora, contam com a ajuda de um grupo de voluntários, nascido a partir da iniciativa de um adolescente.
Pouco antes da meia-noite, Benjamin Kagan, um rapaz de 14 anos, residente em Chicago, EUA, assume o seu posto. Abre o seu portátil e navega para a página de marcação de consultas de uma clínica de saúde local. Entra nas informações pessoais de um estranho e espera.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Pouco antes da meia-noite, Benjamin Kagan, um rapaz de 14 anos, residente em Chicago, EUA, assume o seu posto. Abre o seu portátil e navega para a página de marcação de consultas de uma clínica de saúde local. Entra nas informações pessoais de um estranho e espera.
Quando soam as 12 badaladas, Benjamin tem de encontrar rapidamente o botão verde brilhante que diz: “Entre na fila.” Se ele tiver feito bem a sua jogada, terá então marcado uma consulta para a inoculação da vacina para alguém. Depois é esperar que o processo não seja muito moroso para que Benjamin possa ir dormir. É que logo pela manhã tem aula de álgebra.
Com a sua idade, Benjamin poderia estar a ocupar o seu tempo livre com jogos de vídeo. Mas o recém chegado ao secundário tem estado a ajudar centenas de pessoas na área de Chicago a serem vacinadas, uma vez que a procura nacional de vacinas continua a ultrapassar em muito a oferta, deixando os residentes frustrados e desesperados.
O projecto, que foi lançado na semana passada e noticiado pela primeira vez pela CBS Chicago, tem sido um empreendimento colossal. “Ainda sou uma criança, certo? Tenho de fazer os meus trabalhos da escola”, começa por dizer Benjamin. “E a escola é obviamente a minha prioridade número um, por isso vai ser um equilíbrio difícil de manter.”
O facto de as pessoas precisarem de ajuda para se registarem para as vacinas decorre de uma deficiência sistémica subjacente: o processo de distribuição de vacinas nos EUA tem sido dificultado por ineficiências, criando escassez em algumas áreas e excedentes noutras. Os funcionários federais deixaram a logística para os departamentos de saúde estaduais e locais, cujos orçamentos encolheram nos últimos anos, e o resultado está à vista. Além disso, esses funcionários também enfrentam a incerteza sobre quantas doses de vacina o governo federal enviará e quando as mesmas chegarão.
“Na verdade, este é um esforço que não deveria ter sido assumido por um jovem de 14 anos”, continua Benjamin. “Deveria ter sido tratado pelo governo federal ou por um governo estadual ou pelo governo de um condado.”
Mas, no meio do cenário caótico em que a vacinação contra a covid-19 se desenrola nos EUA, mais de 37 mil pessoas já se juntaram ao grupo de Facebook Chicago Vaccine Hunters (Caçadores de Vacinas de Chicago, numa tradução à letra), onde os membros pedem ajuda para encontrar consultas. E quem se encontra nesta busca tem partilhado histórias muito tristes, constata Benjamin. Como alguém que lhe disse que tinha cancro na fase 4 e que tinha medo de morrer se apanhasse o vírus. Outras pessoas disseram que os seus filhos estavam prestes a ter bebés e que queriam ser vacinados para poderem conhecer os seus netos. Apenas cerca de 5% dos residentes de Chicago e 5% dos residentes do condado suburbano de Cook foram vacinados, de acordo com as estatísticas estatais.
Uma porta-voz do Departamento de Saúde de Chicago, Erica Duncan, disse que o fornecimento de vacinas era actualmente “muito limitado” e apelou à paciência dos utentes enquanto a cidade trabalha para tornar as vacinas mais acessíveis. No condado, o porta-voz do organismo correspondente, Don Bolger, afirmou estar à espera que nas próximas semanas sejam disponibilizadas mais doses.
No entanto, os problemas relacionados com lançamento da vacina não ficaram sem solução para Benjamin, que enfrenta uma longa espera até que ele próprio seja elegível para ser vacinado. E, por estes dias, o jovem é o melhor recurso que muitas das pessoas a quem ele já prestou auxílio poderiam ter encontrado.
Pôr os conhecimentos ao serviço dos outros
Tudo começou quando ajudou os próprios avós, a residirem na Florida, a encontrar uma consulta de vacinação. Para tal, o rapaz dedicou-se a aprender a navegar nos sistemas de registo de vacinas. Depois, um jornalista que falou com a sua turma exortou os estudantes a assistir a um segmento noticioso local no qual Benjamin tomou conhecimento do grupo de Caçadores de Vacinas de Chicago. Foi nesse momento que Benjamin se apercebeu de que as suas novas capacidades de registo de vacinas poderiam ser colocadas ao serviço de outros. Por isso, começou a partilhar dicas no grupo. E, rapidamente, encontrou a sua caixa de mensagens do Facebook cheia de pedidos de ajuda de pessoas que diziam ser demasiado lentas ou tecnologicamente pouco qualificadas para se inscreverem sozinhas.
Para acompanhar a procura, Benjamin criou um formulário Google através do qual as pessoas podem pedir assistência. A informação flui para uma folha de cálculo que agora é acedida por cerca de 50 voluntários que Benjamin recrutou para ajudar a garantir os compromissos.
O projecto de Benjamin ofereceu um raio de esperança a Lisa Lorentzen, que pediu ajuda na semana passada, numa mensagem publicada no grupo do Facebook: “Sou uma doente de 70 anos de idade com problemas cardíacos, que perdeu o marido há dez meses, durante a [pandemia de] covid, em casa, e à procura de uma vacina! Quero muito ver a minha família em Mineápolis”, escreveu.
A septuagenária não vê a maioria dos seus parentes desde um encontro, cheio de cuidados, em Setembro. Sozinha e isolada, desde que o seu marido morreu, diz que quase desenhou um carreiro no chão da sua casa de andar de um lado para o outro. Por isso, o seu objectivo passa por ir à festa dos 50 anos da sua filha, no Arizona, esta Primavera. Mas, antes, ela precisa de ser vacinada.
Benjamin viu a publicação de Lisa Lorentzen no Facebook e conseguiu-lhe uma marcação numa Walmart. Mas um nevão fez com que a farmácia cancelasse. Por isso, Benjamin entrou novamente em acção para reservar um lugar para a mulher num hospital para a próxima semana.
Em troca, ela deu-lhe alguns conselhos, dizendo a Benjamin que ele deveria delegar algumas responsabilidades de gestão aos seus colegas voluntários para que ele pudesse dirigir o projecto enquanto estava na escola. “Ele é um jovem incrível”, disse Lisa Lorentzen numa entrevista. “Vou provavelmente vê-lo um dia num cartaz a concorrer para presidente, porque ele preocupa-se muito com as pessoas.”
Após vários dias de marcações, Benjamin confessa ter aprendido alguns truques. Ele descobriu que não pode reservar vagas numa grande farmácia cuja plataforma não permite que as pessoas registem outras. As marcações de outra farmácia ficam preenchidas tão rapidamente que ele não consegue acompanhar o ritmo. Mas a maior dica de todas para conseguir um agendamento, considera Benjamin, é ser flexível. As pessoas que estão dispostas a ir mais longe a qualquer hora do dia têm mais probabilidades de conseguir uma marcação.
Benjamin estima que ele e o seu grupo de voluntários, conhecidos como Chicago Vaccine Angels (os Anjos da Vacinação de Chicago), já tenham ajudado cerca de 370 pessoas, tendo ele próprio feito 119 dessas marcações.
E, numa altura em que Benjamin se prepara para a transição da escola virtual para a presencial, na próxima semana, o ritmo não mostra sinais de abrandamento. Pelo contrário: a carga de trabalho está a intensificar-se. Os enfermeiros locais começaram a contactá-lo directamente para o alertar para o fornecimento extra de vacinas, relatou, e espera coordenar um evento de vacinação em massa com um sistema de saúde local.
É muito para fazer ao mesmo tempo que tem trabalhos de casa para entregar, mas Benjamin diz estar determinado a continuar, explicando haver demasiadas pessoas que não conseguem registar-se para a vacina sem ajuda. “O problema com a equidade é que se não se tiver quatro computadores abertos e velocidade de Internet loucamente rápida e não tiver conhecimentos tecnológicos... vai perder os agendamentos”, explica.
Assim, por agora, Benjamin estará de volta ao seu computador todos os dias, pouco antes da meia-noite, com os dedos prontos, à caça da próxima vaga disponível.