Quase 80% das vacinas da AstraZeneca continuam nos armazéns. Porquê?
Investigação do The Guardian revelou que 80% das vacinas da fabricante ainda não foram administradas. Eficácia inferior à da Pfizer e dúvidas sobre a segurança nas pessoas com mais de 65 anos são os principais motivos.
A aprovação da Agência Europeia do Medicamento à vacina da AstraZeneca, atribuída no final de Janeiro, pouco ou nada fez para aumentar a confiança neste medicamento. Prova disso é o facto de quatro em cada cinco doses distribuídas pelos países europeus ainda não terem sido utilizadas, segundo mostrou uma investigação do jornal The Guardian esta semana. Mas por que razão a vacina da AstraZeneca tem levantado tantas dúvidas?
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A aprovação da Agência Europeia do Medicamento à vacina da AstraZeneca, atribuída no final de Janeiro, pouco ou nada fez para aumentar a confiança neste medicamento. Prova disso é o facto de quatro em cada cinco doses distribuídas pelos países europeus ainda não terem sido utilizadas, segundo mostrou uma investigação do jornal The Guardian esta semana. Mas por que razão a vacina da AstraZeneca tem levantado tantas dúvidas?
Em primeiro lugar, existe a noção de que o fármaco, desenvolvido pela AstraZeneca em colaboração com a Universidade de Oxford, é menos eficaz do que a vacina da Pfizer/BioNTech. A este factor somam-se as dúvidas sobre a inoculação de pessoas com mais de 65 anos, provocada pela falta de dados sobre a vacinação nesta faixa etária. Esta falta de informação levou vários países — grupo que inclui Portugal, Espanha, França, Alemanha, Polónia, Áustria, Suécia, Itália e Países Baixos — a recomendarem que a população com mais de 65 anos recebesse a vacina da Pfizer, a única alternativa neste momento.
A Alemanha é um dos países onde este sentimento de desconfiança é mais palpável. Praticamente um mês depois da chegada da vacina, mais de um milhão de doses estão ainda guardadas em armazéns, à espera de que as pessoas se mostrem disponíveis para serem vacinadas. Como escreve o The New York Times, apenas 270.986 doses de um carregamento de 1.45 milhões foram administradas na Alemanha, de acordo com os dados recolhidos pelo Instituto Robert Koch, autoridade de saúde germânica.
Numa altura em que o objectivo é vacinar o maior número de pessoas no mais curto espaço de tempo, o Governo alemão tenta sensibilizar a população para a necessidade de aproveitar as doses disponíveis. “Pessoalmente, nutro pouca simpatia pela relutância em usar uma vacina em detrimento da outra”, afirmou o Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, numa vídeo-conferência.
Steinmeier lembrou na sua crítica que este é “um problema de primeiro mundo”, não dos “que ainda estão à espera da primeira vacinação e das pessoas em países que não têm esperança de receber uma única dose este ano.”
Alemanha altera recomendação
Torna-se mais difícil mudar a percepção sobre a vacina quando se recomenda que a pessoa mais influente do país, a chanceler Angela Merkel, não seja vacinada com o fármaco da AstraZeneca, por ultrapassar o limite de idade — Merkel tem 66 anos. Mas isso poderá mudar em breve.
Este sábado, o responsável pela Comissão Permanente para a Vacinação na Alemanha, Thomas Mertens, adiantou que o organismo vai alterar a recomendação que limitava o uso da vacina. Numa entrevista à cadeia de televisão alemã ZDF citada pela Lusa, Mertens nega que alguma vez a vacina tenha sido posta em causa. “Nós nunca criticámos a vacina, só criticámos o facto de não haver dados suficientes sobre a sua eficácia em maiores de 65 anos. A vacina é boa e os novos dados permitem-nos agora uma maior valorização”, afirmou o responsável.
Voltemos à primeira preocupação: a eficácia. Se olharmos para os resultados dos ensaios clínicos, é possível perceber uma diferença entre as duas vacinas que já receberam aprovação europeia. Enquanto a da Pfizer pode atingir uma eficácia de 95%, os resultados da AstraZeneca apontam para uma eficácia entre os entre os 62% e os 90%, dependendo do regime de dosagem utilizado.
Mas a verdade é que num estudo que analisou dados de 5,4 milhões de habitantes da Escócia inoculados com doses das duas vacinas, a da AstraZeneca mostrou uma eficácia de 94% na redução dos casos de infecção graves — que requerem hospitalização. Um valor superior ao da vacina da Pfizer, que registou uma taxa de sucesso de 85%.
Algo que Angela Merkel fez questão de recordar, num dos muitos apelos endereçados ao povo alemão para acelerar o ritmo de vacinação. “Todas as autoridades nos dizem que esta vacina é segura”, afirmou a chanceler, em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine.
Macron duvidou da eficácia
Esta desconfiança não é exclusiva à Alemanha. Também na França os responsáveis políticos tentam fazer chegar as doses da AstraZeneca aos grupos prioritários. Mas, em França, foi o próprio Presidente a pôr em causa a eficácia da vacina na população mais idosa. Emmanuel Macron, no início de Janeiro, afirmou que o medicamento da AstraZeneca era “praticamente ineficaz” nas pessoas com mais de 65 anos. O ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, foi mais comedido, recomendando que as pessoas deveriam “ouvir os cientistas”.
Mas o estudo realizado na Escócia, que mostrou a eficácia da vacina da AstraZeneca na prevenção dos casos mais graves, levou a que o coordenador do plano de vacinação francês, Alain Fischer, mostrasse uma opinião diferente da do Presidente. “Se estes resultados se confirmarem são excelentes notícias, porque sugerem que a vacina poderá ser recomendada a pessoas com idades compreendidas entre os 65 e os 74 anos”, afirmou, citado pelo Politico.
Esta quinta-feira, foi o próprio Presidente francês a dizer que tomaria a vacina da AstraZeneca, caso essa oportunidade surgisse. “Perante os estudos científicos mais recentes, a eficácia da vacina da AstraZeneca foi provada. A minha vez [de ser vacinado] chegará, mas tenho tempo. Se essa for a vacina que me é oferecida vou aceitar, claro”, disse Macron.
Tal como na Alemanha, aguarda-se agora para saber se o medicamento poderá ser administrado às pessoas com mais de 65 anos pertencentes aos grupos prioritários, algo que aceleraria potencialmente os planos de vacinação.