Providência cautelar suspende obras para sala de consumo vigiado no Lumiar
Associação de Moradores do Bairro da Cruz Vermelha apresentou uma acção que pretendia a suspensão dos trabalhos. Câmara diz estar a acompanhar o processo e sublinha que este equipamento é uma “resposta necessária”.
A construção de uma sala de consumo vigiado na freguesia do Lumiar, em Lisboa, está suspensa devido a uma providência cautelar apresentada pela Associação de Moradores do Bairro da Cruz Vermelha. A associação considera que aquela não é a localização mais adequada para receber este equipamento — que pretende dar melhores condições de higiene e segurança a quem consome substâncias estupefacientes —, uma vez que ficará próximo de escolas, creches e edifícios residenciais.
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A construção de uma sala de consumo vigiado na freguesia do Lumiar, em Lisboa, está suspensa devido a uma providência cautelar apresentada pela Associação de Moradores do Bairro da Cruz Vermelha. A associação considera que aquela não é a localização mais adequada para receber este equipamento — que pretende dar melhores condições de higiene e segurança a quem consome substâncias estupefacientes —, uma vez que ficará próximo de escolas, creches e edifícios residenciais.
O estaleiro de obras foi montado em Junho passado, com tapumes a rodearem uma área na confluência da Azinhaga da Cidade e da Rua n.º 10 do Plano de Urbanização do Alto do Lumiar (PUAL). Apercebendo-se disso, alguns moradores lançaram uma petição, hoje com mais de 3000 assinaturas, em que expressam a sua oposição à localização escolhida e exigem mais debate.
A providência cautelar, que pedia a suspensão dos trabalhos, foi apresentada ainda no Verão, mas foi rejeitada pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que invocou “falta de fundamento”. A associação decidiu depois recorrer da decisão, tendo sido aceite em segunda instância, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, ficando assim suspensos os trabalhos. Ao PÚBLICO, a Câmara de Lisboa, responsável pela obra, refere que os serviços jurídicos estão ainda a recolher informação para recorrer da decisão.
No equipamento que está previsto para aquele local, deverá ser instalado um Serviço de Atendimento Integrado (SAI) na área de redução das dependências. Na prática, além de uma área para o consumo vigiado, terá outras respostas ao nível da saúde com enfermeiros, médicos e psicólogos e também acompanhamento social, em cooperação entidades que trabalham na área.
Em linhas gerais, a associação de moradores argumenta que a “sala de chuto” — como são vulgarmente conhecidos estes espaços — ficará “a menos de 500 metros” de zonas residenciais ali envolventes e de outras que estão em fase de construção. Além disso, ficará “a menos de 500 metros da Escola D. José I, da Escola Primária 91, da Creche do Bairro da Cruz Vermelha, do Centro Social da Musgueira e do Colégio São João Brito”.
As salas de consumo vigiado existem na Europa há mais de três décadas e estão previstas na lei portuguesa desde 2001 (Decreto-Lei n.º 183/2001, de 21 de Junho). Ora, o texto da providência cautelar, a que o PÚBLICO acedeu, socorre-se desta legislação para questionar a localização escolhida uma vez que a lei refere que “os programas para consumo vigiado ‘são autorizados apenas para zonas de grande concentração de consumidores por via endovenosa, não podendo ser instalados em espaços ou centros residenciais consolidados’ e que a ‘localização escolhida (…) deve, tanto quanto possível, evitar a exposição a não utentes'”.
Falta discussão pública
Esta sala, assim como a que ficará localizada no Vale de Alcântara, foram anunciadas pela Câmara de Lisboa em 2018. Seriam implementadas em locais onde se convive com a droga há largas décadas, seguindo assim a “regra” das 90 “salas de chuto” que existem pela Europa. O que acabou por avançar em Março de 2019 foi a unidade móvel que percorre as zonas do Beato, Arroios, e pára também junto dos centros de acolhimento de emergência da população sem-abrigo, para impedir que as pessoas consumam a céu aberto, em más condições de higiene, que recorram a substâncias alteradas ou tenham overdoses, possibilitando-lhes assim uma toma diária vigiada por profissionais de saúde.
No texto da providência cautelar, são ainda citados dados de diagnóstico da Associação Crescer, que referem que, em 2017, “foram acompanhados 262 utentes, dos quais apenas 33% consumiam substâncias por via injectada, questionando se este número “configura, efectivamente, uma grande concentração de consumidores por via endovenosa, tal como é exigido pela lei, que justifique a instalação de uma sala de consumo assistido”.
Aquela zona é também local de paragem da carrinha do programa de substituição opiácea de baixo limiar, a metadona.
Já em Agosto, quando o PÚBLICO noticiou o lançamento da petição, o presidente da Associação de Moradores do Bairro da Cruz Vermelha, Fernando Baião, disse que o consumo naquela zona fora já bem pior: “Se me perguntassem há cerca de cinco, seis anos, quando começaram a fazer a primeira investigação sobre a quantidade de toxicodependentes dentro do bairro, eu ia dizer que era uma lástima”. Nesta altura, acredita, a situação está mais controlada.
No entanto, em resposta ao PÚBLICO, o gabinete do vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo, refere que considera esta “uma resposta necessária, a partir dos diagnósticos realizados pelas entidades oficiais”, “Os resultados da Unidade Móvel do Programa de Consumo Vigiado - já em funcionamento desde 2019 - são a prova de que estas respostas trazem resultados concretos para a saúde pública e a segurança das zonas onde se inserem”, nota.
O tema esteve já em discussão em diversas sessões da Assembleia de Freguesia do Lumiar e há um processo de consulta pública a decorrer desde 2018. No entanto, tanto os peticionários, como a Associação de Moradores do Bairro da Cruz Vermelha criticam o processo de discussão pública.
No passado dia 4 de Dezembro, foi realizada uma sessão pública de esclarecimentos sobre o projecto por videoconferência que, segundo a informação que consta no site da junta, contou com as presenças de João Goulão, director-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências ( SICAD), Joaquim Fonseca, coordenador da Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Américo Nave, director executivo da Associação Crescer, assim como do presidente da junta, Pedro Delgado Alves e do vereador Manuel Grilo.
O PSD Lumiar avançou, em Setembro, uma queixa à Procuradora-Geral da República e à Provedora de Justiça por considerar que aquele local não cumpre a legislação que enquadra estes equipamentos.