Três seguranças viram agressões a Ihor. Quatro ouviram gritos. Dois não ouviram nada
Há três seguranças a identificar o inspector do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Duarte Laja a agredir Ihor Homenyuk a 12 de Março. “Vi-o com a bota em cima do peito a dizer: ‘tá quieto, tá calado’. E fecharam a porta.” Defesa de três arguidos vai “agir criminalmente” por falsidade de testemunho contra três seguranças.
Três seguranças disseram ao tribunal que viram um inspector do do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Duarte Laja, a agredir Ihor Homenyuk. Quatro relatam ter ouvidos gritos e dois não ouviram nada.
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Três seguranças disseram ao tribunal que viram um inspector do do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Duarte Laja, a agredir Ihor Homenyuk. Quatro relatam ter ouvidos gritos e dois não ouviram nada.
Esta sexta-feira, no Tribunal Criminal de Lisboa, foram ouvidos quatro seguranças. O vigilante Rui Rebelo, relatou: “Vi o inspector [Duarte] Laja com a bota em cima do peito a dizer: ‘tá quieto, tá calado’. E fecharam a porta.”
Os três inspectores, Luis Silva, Duarte Laja e Bruno Sousa, estão a ser julgados pelo homicídio qualificado de Ihor Homenyuk a 12 de Março. Ao todo o tribunal já inquiriu sete seguranças — uma das vigilantes prestou declarações para memória futura. Já foram ouvidas mais de 20 testemunhas, incluindo vários inspectores que se cruzaram com Ihor entre 10 e 12 de Março de 2020.
Segundo Rui Rebelo, nesse momento da agressão Ihor Homenyuk estava deitado no colchão, de peito para cima e os três inspectores estavam de pé. Em Março este segurança disse que tinha ouvido gritos de Ihor, e que ficou com a sensação que eram provocados pelos inspectores, mas ao tribunal referiu não se recordar disso.
Segundo Ricardo Serrano Vieira, advogado de Duarte Laja, esta foi a primeira vez que relatou ter visto directamente a agressão, mas Rui Rebelo garantiu ter feito essa declaração à PJ. Por isso os advogados Ricardo Sá Fernandes e Serrano Vieira pediram ao tribunal para extrair certidão das suas declarações. Aliás, os três advogados vão “agir criminalmente contra os três vigilantes — Paulo Marcelo, Manuel Correia e Rui Rebelo — que disseram uma coisa no inquérito e outra no julgamento, atendendo à gravidade e carácter ostensivo das contradições”, referiu ao PÚBLICO Ricardo Sá Fernandes.” É preciso combater a cultura de mentira que infelizmente grassa nos tribunais sem que nada aconteça”, referiu.
Na quarta-feira, o segurança Paulo Marcelo relatou que viu Duarte Laja a dar uma pancada com bastão a Ihor; também outro segurança, Manuel Correia, disse ter visto o inspector Laja a dizer a Ihor “está quieto” e a “a pôr um pé na cabeça” de Ihor — descrição parecida com a de Rui Rebelo.
Segundo contou Rui Rebelo, já depois da intervenção dos três arguidos, ele e o colega Jorge Pimenta foram à sala onde estava o ucraniano. Ihor tinha-se mexido e conseguido sair do colchão. “Fomos pô-lo de lado.” Falou muito baixo, “estava a respirar bem” e não manifestava dores. Mas nada mais fizeram. Não o colocaram de barriga para baixo, afirmou, ficou de lado.
Ihor Homenyuk morreu de asfixia mecânica em sequência de agressões, e depois de ter ficado algemado com as mãos atrás das costas. O médico que fez a autópsia traçou à Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) vários cenários em que a sua morte poderia ter sido evitada: se tivesse ficado imobilizado, com as mãos atrás das costas, durante várias horas, mas não tivesse sido agredido, “poderia ter morrido, mas seria pouco provável”; se tivesse sido agredido “mas fosse assistido no imediato, provavelmente ainda estaria vivo”; se fosse agredido sem estar algemado, mesmo que não tivesse tido assistência “a situação poderia ter tido outro desfecho”.
"Gritou bastante"
De manhã, Cátia Branco, que esteve no turno na noite de 12 de Março de 2020 em que Ihor Homenyuk morreu, foi a quarta segurança a afirmar ao tribunal que ouviu gritos de dor do cidadão ucraniano enquanto ele estava com os arguidos. A colega Ana Lobo disse-o na sessão de 4 de Fevereiro, e também Manuel Correia e Paulo Marcelo. A procuradora quis saber durante quanto tempo: “Não sei quanto tempo, mas gritou bastante.” Eram gritos espaçados? Sim, respondeu, especificando depois que os momentos em que gritava eram maiores do que aqueles em que ficava calado. “Ai, ai”, ouvia. E um dos inspectores a responder: “‘Tá quieto, ‘tá quieto.”
Porém, outros dois seguranças (Sónia Antunes e Jorge Pimenta), que entraram no turno das 8h minutos antes de os três arguidos ali chegarem, disseram não ter ouvido qualquer grito. O que é uma discrepância com os depoimentos dos quatro colegas que relataram terem ouvido gritos de dor de Ihor.
Os arguidos, ouvidos na primeira sessão do julgamento, dizem que foram chamados ao centro onde estava Ihor para assistir um indivíduo que estava a ter um “comportamento autodestrutivo”. “Quando chegámos os seguranças abriram-nos a porta e alertaram-nos que estava lá um cidadão violento que tinha tentado fugir durante a noite. Um segurança alegou que ele tinha atirado um sofá e que gostava de morder”, disse Luís Silva.
Esta manhã Cátia Branco voltou a dizer que o colega Paulo Marcelo estava lesionado e lhe contou que “tinha levado com um sofá”. Também o segurança Jorge Pimenta confirmou que o colega lhe transmitiu que Ihor lhe tinha atirado com o sofá, e o mesmo afirmou a segurança Sónia Antunes.
Ao tribunal, num depoimento confuso e com várias contradições, Paulo Marcelo garantiu que Ihor nunca o tinha agredido e que nunca lhe tinha “dado” com o sofá — o mesmo afirmou à investigação da PJ, em que confessou ter manietado Ihor com fita adesiva. Disse que tinha torcido o pé há uns anos e que bastava um toque para se lesionar.
Segundo a descrição feita por Cátia Branco ao tribunal, antes dos inspectores entrarem, pelas 7h, Ihor “estava bem, sentado”, com fitas nos pés “a rir” e a “falar”.
Os relatos de testemunhas já feitos em tribunal referem que Ihor foi manietado por volta da 1h com fita adesiva, pelos seguranças Paulo e Manuel, e depois com algemas cirúrgicas por inspectores e novamente com fitas adesivas, nos pés e mãos. Os arguidos manietaram-no de manhã com algemas metálicas porque, segundo alegam, Ihor estava a “pontapear” e a gritar.
Cátia Branco referiu ainda que o inspector Luís Silva disse, quando entrou, que não era para anotarem os nomes deles. Referiu ter estado a tentar comunicar com um dos inspectores do SEF durante duas horas para que fosse lá, sem o telefone ser atendido senão ao fim desse período.
No corpo de Ihor o segurança Jorge Pimenta diz que viu, depois da intervenção dos inspectores, vergões nos braços, a cara inchada — algo que também notou antes da chegada dos arguidos, assim como Rui Rebelo. Estava deitado de lado e manietado. Chegou a ver sangue? “Um pouco de sangue seco no nariz e a cara vermelha, acho que antes dos inspectores chegarem”, respondeu ao juiz. A primeira vez que foi à sala, confirmou que Ihor estava sentado com fitas nos pés e estava calmo. “O quarto cheirava mal, a suor”.
O juiz quis saber ser era normal um senhor estar com pés amarrados na sala dos Médicos do Mundo, e Jorge Pimenta referiu que nunca tinha visto antes um cidadão amarrado naquela sala.
Notícia actualizada acrescenta que Jorge Pimenta e Rui Rebelo viram a cara de Ihor inchada antes de os arguidos chegarem.