Covid-19. Redução de 80% nos casos em profissionais dos hospitais é o primeiro sinal do impacto que vacinas podem ter
Depois de ter tido quase 600 casos de infecção na segunda vaga, o Hospital de São João registou perto de 150 na onda mais crítica da pandemia. Outros hospitais também têm registo de menos casos. Efeito da vacinação nos lares deve demorar mais a sentir-se.
A campanha de vacinação contra a covid-19 continua a ganhar ritmo em Portugal e, dois meses depois da administração da primeira dose, os efeitos já se fazem sentir nos profissionais de saúde, com vários hospitais do país a verificarem uma diminuição significativa dos casos de infecção – inclusive durante o pico da pandemia, em Janeiro.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A campanha de vacinação contra a covid-19 continua a ganhar ritmo em Portugal e, dois meses depois da administração da primeira dose, os efeitos já se fazem sentir nos profissionais de saúde, com vários hospitais do país a verificarem uma diminuição significativa dos casos de infecção – inclusive durante o pico da pandemia, em Janeiro.
No Hospital de São João, no Porto, a incidência “maior do que na primeira e segunda vagas” da pandemia teve uma reacção “em contraciclo” na população hospitalar, com menos casos na terceira vaga do que nos dois momentos anteriores de maior pressão, de acordo com o director do Serviço de Saúde Ocupacional, Pedro Norton.
“Tivemos quase 600 casos na segunda vaga. Pouco mais de 100 na terceira. É uma diferença absolutamente expressiva”, explicou ao PÚBLICO. Para o responsável, a queda de 590 casos positivos na segunda onda da pandemia para 140 na terceira (uma descida de 76%) “não tem outra explicação” para além do efeito das vacinas.
“Podemos dizer que o número de casos na comunidade está agora a reduzir, mas aqui começou muito antes e a uma velocidade que não acompanhava a da comunidade.”
O abrandamento da pandemia em Fevereiro também acalmou ainda mais a situação: até esta sexta-feira o hospital registou apenas sete novos casos de infecções de trabalhadores, sendo que nenhum destes foi vacinado. Mais ainda, Pedro Norton acrescenta que não há registo de qualquer caso desde 18 de Fevereiro.
“Estamos há mais de uma semana sem qualquer caso, vacinados ou não vacinados”, observou. Um cenário bem diferente daquele que foi vivido em meados de Novembro, no auge da segunda onda, quando o São João registava mais de 50 casos por semana.
“Tínhamos sete, oito casos por dia. Agora, num mês, temos tantos casos quanto tivemos por dia na segunda vaga”, diz o também investigador da Unidade de Investigação em Epidemiologia (EPIUnit) do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. Estes números, no entender de Pedro Norton, são importantes para mostrar a importância da vacina no combate ao SARS-CoV-2.
“Esta é a primeira evidência em mundo real, na nossa vida quotidiana, de que a vacina é eficaz”, sublinhou.
O centro hospitalar inaugurou de forma simbólica a vacinação em Portugal a 27 de Dezembro, com a administração da primeira dose, tendo nesse dia administrado duas mil doses às quais se somaram outras tantas nos dias seguintes. Estão agora inoculadas mais de cinco mil pessoas, “quase 100%” das que podem ser vacinadas, excluindo os cerca de 930 casos de infecção e trabalhadores em licença ou com baixa que perfazem os perto de seis mil profissionais do hospital.
Santa Maria com queda de 85% a 90% de novos casos
A situação é semelhante no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que já vacinou cerca de cinco mil profissionais de saúde, a maioria prestadores directos de cuidados que já concluíram o processo, com duas doses administradas. O hospital referiu ao PÚBLICO que a taxa de infecção caiu “de forma muito acentuada”, com uma descida de 85% a 90% nos casos registados face a Janeiro. Nessa altura, durante o pico das infecções, havia uma média de 12 casos diários nos profissionais do hospital. Nas últimas duas semanas, registaram-se apenas casos “pontuais” entre profissionais que ainda não foram vacinados por estarem de baixa, licença ou serem recém-contratados.
A descida de incidência nestes dois hospitais não são casos únicos. O presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, João Araújo Correia, refere que o cenário é semelhante no Hospital de Santo António, no Porto, onde é director do Serviço de Medicina 1.
“No [Hospital de] Santo António também não tenho conhecimento de qualquer novo caso. Aí está um milagre. Era um problema que tínhamos, quase todas as semanas parecia um tiro no porta-aviões, estávamos sempre a perder gente que ficava doente. Depois da vacinação já não houve mais casos e suponho que o mesmo acontecerá no resto do país”, diz.
Também no Hospital de Guimarães se registam menos infecções. Com cerca de 80% dos profissionais de saúde já vacinados, o hospital passou de 56 casos detectados em Dezembro para 38 em Janeiro e apenas sete em Fevereiro. Ainda assim, o hospital sublinha que não atribui essa quebra exclusivamente à vacinação, realçando que a situação epidemiológica também abrandou entretanto.
O Hospital Distrital da Figueira da Foz também disse ao PÚBLICO que não tem nenhum profissional infectado. Com todos os profissionais vacinados (salvo excepções semelhantes às verificadas nos outros estabelecimentos de saúde), a unidade refere que “a incidência reduziu” depois de concluída a administração das duas doses da vacina, sublinhando, no entanto, que “não tem evidências de uma relação de causalidade” entre a descida e as inoculações.
Ainda é cedo para avaliar impacto da vacinação nos lares
Aos profissionais de saúde seguiram-se, na lista prioritária da campanha de vacinação contra a covid-19, os idosos e profissionais dos lares e unidades da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Este passo da imunização teve início a 4 de Janeiro, cerca de uma semana depois do anterior, mas ainda vai ser preciso esperar mais algum tempo para conseguir concluir em que medida a vacinação reduziu a incidência nestes estabelecimentos, como já foi observado em outros países.
De acordo com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, a incidência nos lares ainda acompanha aquela que se tem verificado no resto do país, e os dados das mortes mostram que estas instituições ainda são responsáveis por quase uma em cada três mortes por covid-19. A 22 de Fevereiro, eram 4458 mortes de 16.086, cerca de 27,7%, uma percentagem ligeiramente inferior aos 30,3% de 1 de Janeiro, quando se contabilizavam 2111 mortes em lares num total de 6972.
O médico infecciologista António Silva Graça sublinha ao PÚBLICO que a eficácia da vacina “é mais notória depois da segunda dose”, significando por isso que os primeiros efeitos devem começar a sentir-se agora e serão mais evidentes em meados de Março. Segundo a Direcção-Geral da Saúde (DGS), havia a 15 de Fevereiro cerca 170 mil pessoas já com a primeira dose em lares e unidades de cuidados continuados, ficando a faltar vacinar pessoas de entidades em que há ou houve um surto.
O infecciologista refere que a descida de casos na comunidade contribui para influenciar as infecções nos lares – assim como nos hospitais – sublinhando, por isso, a importância de criar “grupos de controlo” para que seja possível perceber de que forma a menor incidência se reflecte nos dois grupos (vacinados e não vacinados).