O novo velho multilateralismo americano
Tal como todos os presidentes antes dele, Joe Biden promete mais e melhor. As iniciativas do recém-eleito presidente mostram claramente um reposicionamento dos EUA de volta ao multilateralismo e reforço do respeito pelas normas internacionais, mas é a realidade geopolítica que vai determinar o seu sucesso.
Desde a sua fundação, que os EUA têm oscilado entre o isolacionismo e o multilateralismo face ao resto do mundo. Frequentemente o multilateralismo americano culminou em intervenções bélicas, marcadas por estratégias de saída apressadas que deixaram vazios de poder complicados de gerir. Só a história irá revelar a natureza e consequências do novo velho multilateralismo que tomou recentemente o seu lugar com a eleição do presidente Joe Biden.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Desde a sua fundação, que os EUA têm oscilado entre o isolacionismo e o multilateralismo face ao resto do mundo. Frequentemente o multilateralismo americano culminou em intervenções bélicas, marcadas por estratégias de saída apressadas que deixaram vazios de poder complicados de gerir. Só a história irá revelar a natureza e consequências do novo velho multilateralismo que tomou recentemente o seu lugar com a eleição do presidente Joe Biden.
O presidente Biden é um veterano em política externa e mostra-se já muito comprometido na dimensão internacional da política, apesar dos imensos fogos internos de uma América dividida e de uma pandemia por resolver. O ex Chairman do Comité do Senado para as Relações Externas rodeou-se por veteranos em política externa como John Kerry e Antony Blinken (a ocupar o importante cargo Secretário de Estado), e trouxe de volta o clássico multilateralismo norte-americano que irá ser posto à prova em diversas frentes.
No complicado Afeganistão, espera-se o cumprimento do acordo promovido por Donald Trump, realizado com os Talibãs, para retirada dos 2500 militares norte-americanos que ainda se encontram no terreno e o estabelecimento de um cessar fogo permanente. Atualmente é incerto que a administração Biden irá cumprir os prazos estabelecidos, o que pode resultar num reacendimento perigoso da mais longa guerra americana.
Relativamente ao conflito israelo-palestiniano não existem, para já, grandes novidades no horizonte face à linha seguida pela administração Trump. Por enquanto, o sinal mais notório é o de que os norte-americanos mantêm o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Em setembro do ano passado, Donald Trump promoveu os históricos Acordos de Abraão que reconfiguraram o xadrez do Médio Oriente através de uma aliança israelo-sunita, considerando o inimigo comum iraniano. Neste contexto, o compromisso de Biden para retoma das conversações com o Irão, sobre o acordo nuclear, poderá não ter quaisquer resultados práticos.
Na guerra civil do Iémen, a administração Biden não demorou a alterar a posição norte-americana: desconsiderou os Houthis como organização terrorista e cancelou o apoio à intervenção saudita no conflito. Ainda não é claro o alcance destas decisões, mas poderão significar um gesto de boa vontade e um trunfo para futuras negociações com um Irão cada vez mais isolado.
No que concerne à relação com a Rússia, Biden clarificou que não irá tolerar mais interferências do regime de Vladimir Putin, prometendo atuar de forma assertiva face a qualquer ingerência russa na democracia norte-americana, demarcando-se da inação da administração Trump relativamente às polémicas eleições de 2016. Em termos práticos, os EUA renovaram recentemente o START (Strategic Arms Reduction Treaty) com a Rússia, com o objetivo de monitorar e controlar a política de armamento russa.
Biden e Blinken já começaram também a trabalhar o restauro da confiança entre os blocos americano e europeu, procurando concretizar alianças para fazer face ao poderio russo e chinês. Para muitos americanos, a China ocupa hoje o lugar que a União Soviética ocupou até ao final da Guerra Fria. Apesar de não ter ainda um comprovado poder militar para disputar estrategicamente vários pontos do globo, o regime de Xi Jinping tem a força dos números da demografia e da economia. Sendo concorrentes pelo poder que exercem no mundo, as duas megapotências poderão, simultaneamente, aproximar-se no que toca ao combate às alterações climáticas e ao fim da guerra comercial, que custou caro especialmente aos produtores agrícolas norte-americanos. Acrescente-se ainda que os EUA voltaram a alargar a sua esfera de influência no clima e na saúde, com o regresso ao Acordo de Paris e no apoio à Organização Mundial de Saúde.
Ao contrário do passado glorioso e imperial de algumas nações europeias e asiáticas, os EUA não sofrem de nostalgia de poder. Contudo, considerando a sua emergência enquanto país mais poderoso do mundo, especialmente a partir do final da Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos conquistaram um desígnio de liderança e tornaram-se na força motriz de uma verdadeira ordem internacional representativa da democracia liberal ocidental. O multilateralismo americano vive da conceção de que o mundo é menos caótico e conflituoso e mais próspero com uma liderança ocidental, encabeçada pelo único país com o poder suficiente para tal – os EUA. Neste sentido, a política externa norte-americana irá voltar o seu foco para a defesa dessa ordem internacional, que não se limita apenas aos interesses diretos dos EUA, exercendo poder e influência em várias regiões do mundo e em diversos fóruns internacionais.
Tal como todos os presidentes antes dele, Joe Biden promete mais e melhor. As iniciativas do recém-eleito presidente mostram claramente um reposicionamento dos EUA de volta ao multilateralismo e reforço do respeito pelas normas internacionais, mas é a realidade geopolítica que vai determinar o seu sucesso.