As assimetrias de Portugal vistas de um coreto e cantadas num disco
É o mais recente álbum de Rogério Charraz, com letras de José Fialho Gouveia: O Coreto, história que espelha a desigualdade entre as grandes cidades e o interior, chega às plataformas digitais e às lojas esta sexta-feira.
A história, sintetizaram-na já num videoclipe, à laia de apresentação: um homem que vive nos subúrbios de uma grande cidade, “cada vez mais angustiado e claustrofóbico”, decide mudar-se para a aldeia do pai. Lá, cruza-se com os costumes da terra, apaixona-se por Ana, mas há algo que o impede de ficar, tão forte quanto aquilo que impede Ana de partir. Em suma, é este o enredo de O Coreto, o quinto álbum de Rogério Charraz, com letras de José Fialho Gouveia e produção musical de Luísa Sobral, que é lançado esta sexta-feira.
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A história, sintetizaram-na já num videoclipe, à laia de apresentação: um homem que vive nos subúrbios de uma grande cidade, “cada vez mais angustiado e claustrofóbico”, decide mudar-se para a aldeia do pai. Lá, cruza-se com os costumes da terra, apaixona-se por Ana, mas há algo que o impede de ficar, tão forte quanto aquilo que impede Ana de partir. Em suma, é este o enredo de O Coreto, o quinto álbum de Rogério Charraz, com letras de José Fialho Gouveia e produção musical de Luísa Sobral, que é lançado esta sexta-feira.
O disco nasceu de uma paixão antiga e levou cinco anos a tomar forma de um disco. Rogério Charraz, cantor e compositor com quatro discos editados, lembrou-se de apresentar a José Fialho Gouveia, jornalista e escritor, uma ideia “em abstracto”: “Queria fazer um disco que andasse à volta de um coreto. A partir daí, a ideia foi toda desenvolvida por ele”, diz Rogério ao PÚBLICO. José Fialho, por sua vez, recorda: “Ele ajudou-me a perceber que eu também tinha cá dentro esse fascínio por estas obras arquitectónicas e estes centros simbólicos de cultura que são os coretos”. Isto em Agosto de 2016. Em Janeiro de 2017, Rogério recebe o primeiro esboço. “Entregou-me uma história já com 11 ou 12 letras, toda muito estruturada, e dessas acabaram por ficar umas nove. Depois, fomos burilando.”
No Verão de 2019 contactaram Luísa Sobral, que viria a assegurar a produção musical. E, durante três dias, estiveram os três em Alpalhão (Nisa, Alto Alentejo) a afinar pormenores. “Muitas coisas mantiveram-se, mas com as achegas da Luísa a coisa também mudou”, diz José Fialho. Rogério acrescenta: “Houve quatro canções que já foram feitas com a Luísa a produzir e algumas até por sugestão dela: A romaria, Senhor prior, Olá meu velho amigo e No Natal. São muito diferentes em relação às outras e eu fiquei muito contente com isso. Eu queria um disco coeso, no sentido de se perceber que todas aquelas canções pertenciam a um corpo só, de um mesmo universo, mas ao mesmo tempo queria que fossem relativamente simples, muito orgânicas, daquele tipo que quase toda a gente consegue agarrar, sem que se tornasse monótono. E essas canções conseguem trazer a diferença.”
História de todos os lugares
Musicalmente, há no disco sonoridades que nos transportam para diferentes regiões, desde logo na entrada, a capella, que soa a um baião nordestino, até passagens que evocam o cante alentejano ou os sons tradicionais do Minho ou da Beira-Baixa. “Foi propositado”, diz Rogério. “Nós queríamos que as pessoas se identificassem com a história e acreditassem que ela podia ter acontecido na aldeia delas. Claro que as minhas raízes alentejanas (o meu pai é alentejano e tenho parte da minha família no Alentejo) fazem com que me seja mais fácil ir para esse universo; mas há uma canção que é uma espécie de vira do Minho, há toques aqui e ali mais urbanos, depois há a Sara, dos Açores (e eu também tenho raízes nos Açores), enfim, quisemos acima de tudo que isto fosse muito português, e passado no interior, mas que pudesse ser identificado por qualquer pessoa do país.” E isso já parte da escrita:
“Quando estou a escrever”, diz José Fialho, “tenho na cabeça uma melodia. Mas se quisesse passar isso cá para fora era um terror, nisso sou menos que um zero à esquerda. Quando passo as coisas para o Rogério, é uma folha sem som. Umas vezes acontece ficar próximo daquela melodia que imaginei e outras completamente ao lado. Mas é sempre para melhor.”
Sara Cruz, que no disco faz a voz da Ana em dois temas, é uma jovem cantora açoriana, que em 2019 recebeu o prémio Novos Talentos NiT. Rogério conheceu-a por acaso. “Em Março de 2019 fui passar uma semana de férias a Ponta Delgada, porque a minha avó materna era de lá e eu ainda não tinha conseguido conhecer aquela ilha.” Na RDP Açores, onde foi para uma entrevista, tiveram de lhe emprestar uma guitarra. Era de Sara, que estava a estagiar lá, nesse momento. Antes da entrevista, puseram-lhe uma gravação dela e Rogério ouviu-a com atenção. “Fiquei absolutamente rendido à voz dela”, recorda. De tal modo que comunicou logo com José Fialho, a dizer que tinha encontrado a voz feminina para o disco.
Desertificação do interior
O Coreto foi antecipado em dois singles com videoclipes, ambos com realização de Daniel Mota: o primeiro, Abaladiça, foi um dos 20 vencedores (num total de mais de 400 temas a concurso) da iniciativa Inéditos da Vodafone e o vídeo foi gravado no coreto de Palmela; e o segundo, Quando nós formos velhinhos, conta com a participação dos actores Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho e foi gravado no Teatro da Trindade, em Lisboa, onde o disco será apresentado ao vivo, em data a confirmar (esteve marcada, até agora, para 26 de Março).
A narrativa do disco, que é uma história contada em doze canções, reflecte uma realidade bem portuguesa, como diz José Fialho Gouveia: “Há um detalhe que talvez seja o lado mais político, no sentido amplo, deste trabalho, que a questão das desigualdades entre as grandes cidades e o interior do país e a desertificação desse interior, que acaba por ser uma peça-chave para o desenlace da história. E é a desertificação do interior que acaba por afastá-los.”
Rogério: “Na cidade há de tudo, empregos, casas, mas há tudo em excesso e a um ritmo louco, alucinante, as casas estão a um preço muito complicado, as pessoas não têm tempo para viver, passam demasiado tempo no trânsito, no barulho, sem tempo para contemplar a vida. E do lado de quem está no interior é precisamente o contrário: há tempo, há espaço, há qualidade de vida, mas não há hospital, já não há posto de correios, não há vida a mexer.”
Voltar à aldeia dos pais
Quanto ao disco, Rogério diz que as reacções têm sido de reconhecimento: “Agrada-me muito as pessoas dizerem: ‘Isto faz-me lembrar a aldeia dos meus pais, eu consegui transportar-me para ali, para reviver a minha infância’. Porque esta coisa de voltar à aldeia dos pais há milhões de pessoas que se identificam com isso, já que foram viver para longe do sítio onde nasceram. E nós tentámos ao máximo construir um contexto de aldeia com o qual as pessoas se identificassem, com a romaria, a tasca, até com as personagens. Tentámos ao máximo que a história fosse credível e que as pessoas vissem aqui o retrato de um país assimétrico, com 70 por cento das pessoas enfiadas nas grandes cidades enquanto todo o resto do país está a morrer ao abandono. O discurso político aborda sempre isto em todas as eleições, mas os anos passam e nada se resolve. Quanto mais tempo passar, mais difícil é fazer com que as pessoas possam voltar ao interior e aos seus sítios.”
José Fialho acrescenta: “E não é preciso ir ao Portugal profundo. Eu estou na zona oeste e na altura do Natal foi uma odisseia para conseguir comprar envelopes de correio verde, porque já tinham fechado dois postos de correios, vai toda a gente ao mesmo posto e estive uma hora na fila, à chuva, para comprar envelopes. Isto no litoral, com o mar ali ao pé.”