A vida congelada dos portugueses
Mais do que números dos dinheiros europeus, fazem falta palavras. Importa por isso escolhê-las. Quando a pandemia acalmar, o país será capaz de as descobrir.
É natural que o não desconfinamento, o horizonte do desconfinamento ou o desenho de um plano para o desconfinamento tenham regressado à ordem do dia. Os números das infecções ou dos internamentos estão hoje melhor do que alguma vez seria de imaginar no auge da pandemia em Portugal e tanto se percebem os argumentos dos que querem sair da clausura o mais rapidamente possível, como os dos que recordam o descontrolo do passado recente para daí extrair lições de prudência. Mas há um outro desconfinamento que é cada vez mais inadiável discutir: o que é causado pelo pessimismo que se instalou no ânimo dos portugueses e começa a contagiar a sua percepção sobre a política.
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É natural que o não desconfinamento, o horizonte do desconfinamento ou o desenho de um plano para o desconfinamento tenham regressado à ordem do dia. Os números das infecções ou dos internamentos estão hoje melhor do que alguma vez seria de imaginar no auge da pandemia em Portugal e tanto se percebem os argumentos dos que querem sair da clausura o mais rapidamente possível, como os dos que recordam o descontrolo do passado recente para daí extrair lições de prudência. Mas há um outro desconfinamento que é cada vez mais inadiável discutir: o que é causado pelo pessimismo que se instalou no ânimo dos portugueses e começa a contagiar a sua percepção sobre a política.
Um estudo do Instituto Superior de Administração e Gestão ontem revelado mostra bem essa propensão dos portugueses para hibernarem, congelando os seus projectos, os seus sonhos e a sua confiança no futuro. Diz o estudo que 76,2% acreditam no agravamento da economia; 91,2% dos inquiridos que têm filhos não quererão ter outro a curto prazo, valor que desce muito pouco para os que não têm nem querem ter filhos para já (89,8%). Esta atitude que expõe resignação e descrença estende-se à recusa em ambicionar a compra de um carro ou de uma casa. Portugal, um ano depois da covid-19, é um país que começa a dar sinais de prostração.
Ninguém esperaria que face a tantas agruras e tantas sombras houvesse por parte dos portugueses sinais, ainda que tímidos, de euforia. O instinto defensivo que leva tantos a congelar o futuro acaba por ser uma reacção normal e compreensiva face à realidade. Mas nem por isso este desânimo pode deixar de ser considerado como um problema que é urgente enfrentar e vencer. Um país sem noção do futuro tende a agredir-se a si mesmo pelo seu passado, como bem notou Rui Tavares. “Fora os objectivos deprimentes de ‘expulsão’ da troika e combate à pandemia, absolutamente nada” nos afasta da letargia colectiva em que parecemos ter mergulhado, como escreveu no PÚBLICO Francisco Mendes da Silva.
Agora que a situação é mais favorável do que há umas semanas, quando as expectativas da vacinação nos abrem uma lufada de esperança, é importante que o país seja capaz de inventar uma injecção de nervo e de esperança para voltar a subir a encosta que se desenha à frente. O Governo volta a tentar conseguir essa façanha com a miríade de dinheiro europeu que está para vir, mas o sucesso desta opção é duvidoso. Mais do que números, fazem falta palavras. Importa por isso escolhê-las. Quando a pandemia acalmar, o país será capaz de as encontrar. Afinal, sempre foi esse o seu destino.