Desinformação: “Um perigo que todos devemos combater”

A palavra desinformação não é nova, mas parece estar a ganhar cada vez mais relevo neste “novo mundo das redes sociais.” Como é que deixamos de ser convencidos por livres e conformadas opiniões, criadas por “orquestras de persuasão”? Afinal, como se combate a desinformação?

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As PSuperior Talks, numa das suas edições no período pré-pandemia, na UTAD Tiago Lopes

Estamos no dia 30 de Outubro de 1938. A CBS interrompe a programação dando conta de uma invasão alienígena. Seis milhões de pessoas estão a ouvir o programa e acreditam que se trata de uma peça jornalística quando, na verdade, se tratava da telenovela radiofónica, The War of the Worlds, de Orson Welles.

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Estamos no dia 30 de Outubro de 1938. A CBS interrompe a programação dando conta de uma invasão alienígena. Seis milhões de pessoas estão a ouvir o programa e acreditam que se trata de uma peça jornalística quando, na verdade, se tratava da telenovela radiofónica, The War of the Worlds, de Orson Welles.

Este exemplo paradigmático foi dado na PSuperior Talks desta terça-feira, que teve como pergunta de arranque: Como combater a desinformação? Marcaram presença Vasco Ribeiro, director da Licenciatura e do Mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, Helena Martins, responsável de Políticas Públicas da Google, Ivo Neto, editor de Online do PÚBLICO - que referiu o exemplo inicial mencionado - e Mariana Vilas Boas, estudante de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto. O debate foi moderado por Amílcar Correia, director-adjunto do PÚBLICO.

O debate teve como pontos-chave a manipulação, espaço público, poder e controlo dos media. Vasco Ribeiro, director da Licenciatura e do Mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, “trouxe uma provocação”, começando por esclarecer que para se falar de desinformação deve ser abordada a “ancestral propaganda.”  

Partindo da definição de propaganda - uma informação “fabricada com o propósito de manipular indivíduos a adoptarem certas ideias ou comportamentos”, Vasco Ribeiro denotou que, apesar de antiga, “continua muito actual.” Por isso lançou a pergunta: se desde cedo aprendemos a pensar, porque nos deixamos ser convencidos por tudo o que vemos e ouvimos? Para responder, desmembrou o funcionamento da “orquestra de persuasão” propagandista, denotando que neste tema é “importante meter coisas no mesmo saco” e apontando que, apesar da má conotação da palavra propaganda, nem todos os “gestores de informação” (como assessores de imprensa, relações públicas, publicitários, spin doctorsmarketers) o fazem negativamente e nem toda a propaganda é má, havendo a chamada “propaganda verde” que não deixa de ser necessária.

“É importante os jornalistas perceberem que um propagandista pode ter causas boas ou causas más. A propaganda é a mesma, o conteúdo é que muda”, salientou o director da Licenciatura e do Mestrado em Ciências da Comunicação. A proposta apresentada por Vasco Ribeiro, pretendendo responder à pergunta de partida deste debate, é “caminhar para uma literacia da propaganda relutante”, uma vez que se “combate a propaganda com conhecimento”, devendo ser desenvolvida “a capacidade crítica para analisar os conteúdos propagandísticos.”

Internet: veículo e meio de combate

Helena Martins, representante da Google Portugal, considerou “inegável que a Internet trouxe imensos benefícios para a sociedade, possibilitando uma diminuição na barreira de acesso à informação.” No entanto, apontou que a mesma trouxe também “imensos desafios.”

E não é difícil compreender ou concordar que ainda que a Internet possa ser um veículo para o combate à desinformação, é também, actualmente, a maior fonte da mesma.

O objectivo da Google, no que concerne ao combate à desinformação, é “fornecer informação de qualidade aos utilizadores”, indicou Helena Martins, responsável de Políticas Públicas da Google Portugal. “A missão da Google é organizar todas as informações do mundo e torná-las acessíveis e úteis para os utilizadores.”

Ainda que o mundo online, repleto de propagandistas, não esteja perto de viver sem desinformação, Helena Martins apontou para o reforço das “políticas de combate à desinformação e comportamentos maliciosos” que a empresa criou, sendo estas “políticas e processos estabelecidos” para desactivar dos produtos da empresa “publicidades que estão em sites” com o principal propósito de divulgar informação falsa.

Helena Martins revelou ainda que o “outro pilar” essencial no combate à desinformação assenta em trabalhar “com fact-checkers.” Ao longo dos anos a empresa fez “diversas alterações e melhoramentos” visando “dar mais destaque a notícias que vêm de fontes confiáveis” e diminuir a visibilidade de sites que têm como principal objectivo “propagar desinformação.” A responsável de Políticas Públicas da Google não negou que o utilizador pode encontrar sites de desinformação, mas ressalva que estes não são necessariamente encontrados no “top ten, nos blue links”, dos resultados encontrados no motor de busca da Google.

Ivo Neto, editor de Online do PÚBLICO, denotou que “a desinformação é um perigo que todos devemos combater” e que a “informação que passa nem sempre é a mais correcta.” E usou para ilustrar esta ideia um estudo da Reuters que revela que 57% dos portugueses usa as redes sociais como fonte principal de acesso às notícias. No entanto, apenas 26,7% da população confia na informação das redes sociais, o que revela “quase uma dicotomia”. “Consumimos muita informação através das redes sociais, mas nem por isso acreditamos nela.” Assim estamos perante uma situação de alarme em que as redes sociais são a faca que tanto pode servir para “matar a fome, ou cortar alguém.”

Este “ponto de alarme”, mostrado por Ivo Neto, revela que neste “mundo novo das redes sociais” as notícias que não são notícias, fabricadas com o intuito de “manipular indivíduos”, propagam-se mais rapidamente que a informação verdadeira. E porquê? A resposta é simples: as redes vivem “sobretudo de emoção”, os utilizadores são instigados a “meter like e partilhar”, sendo maior parte das vezes descurada a verificação daquilo que é consumido online.

Para Mariana Vilas Boas, estudante de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, a sua geração cresceu “numa altura em que há muita informação”, que chega com facilidade a todos, de forma muito rápida, seja a mensagem que passa verdadeira ou falsa. Crescer num “fervilhar de informação”, e num mundo onde se “assumem facilmente verdades”, exige que, de forma a separar a desinformação da notícia, haja uma aprendizagem de processamento da mesma, o que para Mariana Vilas Boas é essencial.

Como já é habitual, Manuel Carvalho, director do PÚBLICO, abriu a conferência salientando a importância do projecto PSuperior Talks e do tema do debate desta terça-feira, afirmando que este é “um dos assuntos mais sérios” com que nos confrontamos actualmente. António Sousa Pereira, reitor da Universidade do Porto, aproveitou para referir o “grande mérito” deste projecto na “promoção da literacia mediática entre os jovens.”

Este é o quarto debate das PSuperior Talks realizado este ano, tendo já sido realizados outros três cujos temas foram “A comunicação na era dos algoritmos — Decides tu ou decidem por nós”, “Democracia e Estado de Direito: uma relação ameaçada” e “O poder da Inteligência Emocional na publicidade e no marketing”.

*Texto editado por Rita Ferreira