A pintura rupestre mais antiga da Austrália e tem um canguru

Pintura tem cerca de 17.300 anos e dois metros de comprimento. Soube-se a sua idade graças a ninhos de lama de vespas.

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Representação foi registada pela primeira vez nos anos de 1990 Peter Veth/Balanggarra Aboriginal

Até agora, a pintura rupestre no local mais antiga da Austrália tem cerca de 17.300 anos e um canguru. Foi encontrada na região de Kimberley, no Norte da Austrália, e sabemos a sua idade devido a ninhos de vespas. Os resultados desta investigação foram publicados esta segunda-feira na revista científica Nature Human Behaviour.  

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Até agora, a pintura rupestre no local mais antiga da Austrália tem cerca de 17.300 anos e um canguru. Foi encontrada na região de Kimberley, no Norte da Austrália, e sabemos a sua idade devido a ninhos de vespas. Os resultados desta investigação foram publicados esta segunda-feira na revista científica Nature Human Behaviour.  

A pintura rupestre mais antiga foi encontrada entre outras com uma idade estimada entre 17.500 e 13.000 anos. Damien Finch, investigador da Universidade de Melbourne (na Austrália), conta ao PÚBLICO que os aborígenes vivem na área onde as pinturas foram encontradas há, pelo menos, 40.000 anos. “Se lhes perguntarmos quando foram descobertas, deverão responder: ‘Nunca se perderam! Sempre lá estiveram’”, relata. Mas cientistas registaram pela primeira vez estas pinturas nos anos de 1990. “Já eu vi-as pela primeira em 2011”, recorda Damien Finch.

Depois disso, houve um longo processo para se desvendar a idade dessas pinturas. E o que o permitiu foram antigos ninhos de vespas feitos por cima e por baixo dessas representações. “A idade do ninho de vespa construído por cima de uma pintura dá-nos uma idade mínima para essa pintura, pois sabemos que ela devia estar lá antes de o ninho ter sido feito”, explica Damien Finch. “O oposto também é verdade quando datamos ninhos de vespa por baixo da pintura.”

Em 2020, o cientista explicou esta técnica ao site da BBC e realçou que datar o tipo de pinturas em questão era difícil, porque se tinha usado óxido de ferro que não tem matéria orgânica. Isso complicava a datação por radiocarbono. Por isso, percebeu-se que se poderia chegar à idade destas pinturas através das vespas, sobretudo das que constroem ninhos de lama.

E como se faz depois a datação? Algumas dessas vespas enclausuram as suas presas numa espécie de “caixa de barro”. Antes de fecharem a tampa dessa caixa, as vespas põem ovos nessas vítimas. A larva em desenvolvimento acaba por consumir a tal presa e sai para fora do ninho já como adulta para continuar o seu ciclo. Quando a vespa recolhe os seus abastecimentos na lama, inevitavelmente apanha fragmentos de carvão de fogos desse local. É esse carvão que é datado pela equipa de Damien Finch para datar as pinturas.

Ao todo, foram datados 27 ninhos de lama encontrados em 16 pinturas rupestres. Acabou então por perceber-se que essas representações tinham entre cerca de 17.000 e 13.000 anos. Mas, uma delas – que tinha um canguru representado – foi datada entre 17.500 e 17.100 anos, o que a torna a pintura rupestre no local mais antiga da Austrália até agora. “Por agora, uma pintura de um canguru com aproximadamente 17.300 anos é a pintura rupestre no local mais antiga com datação radiométrica na Austrália”, refere-se no artigo científico. Esta pintura tem cerca de dois metros de comprimento e foi feita no tecto inclinado de um abrigo numa rocha.

Damien Finch diz que as pinturas rupestres mais antigas na Austrália até agora tinham 14.600 e 15.000 anos. “Esses investigadores não foram capazes de determinar idades máximas para as pinturas, apenas idades mínimas”, esclarece. No caso da pintura do canguru, foi possível estimar uma idade mínima e máxima, porque se encontraram os tais ninhos por cima e por baixo da pintura.

O que nos diz 

E o que nos diz essa pintura? Em investigações anteriores, outros cientistas já tinham estudado as suas características e perceberam que se inseria no período Naturalístico. Damien Finch explica que no Naturalístico se incluem impressões de mãos e bumerangues em negativo ou algumas representações mais livres de plantas e animais. “Os animais são o tema mais comum das pinturas deste período”, realça o investigador. No artigo, sublinha-se ainda que se podem encontrar imagens deste período em pinturas rupestres na Indonésia, como os bovídeos selvagens, ou na gruta de Chauvet (em França), como os leões.

Quanto ao significado da pintura do canguru, Damien Finch diz que não há nada que “a ciência nos possa contar sobre o que estava na mente do artista quando pintou essas imagens”. “Agora que sabemos quão velha é, podemos, pelo menos, perceber algo sobre o mundo quando essas pinturas foram feitas, no final da última Idade do Gelo.”  

Já Sven Ouzman, arqueólogo da Universidade da Austrália Ocidental e outro dos autores do estudo, considera que a pintura nos pode levar a perceber melhor a história cultural indígena. “A icónica imagem do canguru é visualmente semelhante a pinturas rupestres de ilhas do Sudeste asiático de há mais de 40.000 anos, sugerindo uma ligação cultural – e sugerindo uma arte rupestre ainda mais antiga na Austrália”, considera num comunicado sobre o trabalho.

Em próximos trabalhos, a equipa quer datar mais ninhos de vespa e analisar outros estilos de arte rupestre em Kimberley. Assim, aos poucos, pretende desenvolver uma escala temporal da arte rupestre aborígene nessa região.