Os brasões da Praça do Império, o exemplo e a responsabilidade da câmara municipal
Num tempo em que se observam preocupantes movimentos de eliminação de testemunhos da História dos povos, por vezes acompanhados de acções de vandalização de património público, é insensato que a câmara municipal, mesmo involuntariamente, possa potenciar uma percepção equívoca, alimentando as posições de pessoas ou grupos que pretendem apagar a História.
A discussão sobre o futuro do jardim da Praça do Império começou inquinada por uma visão envergonhada e retroactivamente arrependida da História de Portugal. Mas ainda vamos a tempo de afastar essa controvérsia olhando para a recuperação do jardim como uma oportunidade para valorizar a arte da jardinagem, assumindo as marcas da evolução histórica daquele espaço e da própria História do país. Acresce que esta polémica surge num contexto de crescente e perigoso pendor para apagar referências de episódios da herança dos povos um pouco por todo o mundo.
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A discussão sobre o futuro do jardim da Praça do Império começou inquinada por uma visão envergonhada e retroactivamente arrependida da História de Portugal. Mas ainda vamos a tempo de afastar essa controvérsia olhando para a recuperação do jardim como uma oportunidade para valorizar a arte da jardinagem, assumindo as marcas da evolução histórica daquele espaço e da própria História do país. Acresce que esta polémica surge num contexto de crescente e perigoso pendor para apagar referências de episódios da herança dos povos um pouco por todo o mundo.
O presente
Para os que quiserem retroceder até 2014, data em que é proposta a retirada dos brasões em mosaico-cultura (em mau estado de conservação) do Jardim da Praça do Império, poderão constatar que o argumento utilizado pelos defensores da proposta era o de que aqueles símbolos “estão ultrapassados”. Tudo o resto são meros pretextos, desculpas e teimosia, tal como o de retomar o traçado original da autoria de Cottinelli Telmo. Aliás, se fosse para ser rigoroso neste critério, então não se proporia manter os desenhos da Cruz de Cristo e do escudo da bandeira nacional. Tal como não se afirmaria que a inexistência dos moldes era um problema, porque se houvesse vontade genuína os moldes poderiam ser construídos. Por fim, o argumento da aprovação do novo projecto pela Direcção-Geral do Património Cultural, sendo óbvio que também aprovaria a recuperação do que já fazia parte do próprio jardim.
Admito que haja um argumento adicional não declarado: a falta de jardineiros para a manutenção de um jardim com aquelas exigências. De facto, o município há muito que não aposta no reforço da equipa de jardineiros. Aliás, a escola de jardinagem da câmara municipal não desenvolve o potencial que detém por falta desta aposta.
O passado
Importa desmistificar a valorização concedida à recuperação do projecto original do jardim. O traçado original durou apenas vinte anos. Concretizado em 1940 por ocasião da Exposição do Mundo Português, logo em 1961, por ocasião dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique e no âmbito da Exposição Nacional de Floricultura, foram projectados e implantados os brasões florais das antigas colónias que acabaram por se tornar definitivos, sendo mantidos, durante décadas, pela Câmara Municipal de Lisboa.
O Jardim da Praça do Império consolidou-se com a integração dos ditos brasões, constituindo parte da sua identidade e fazendo parte da memória dos lisboetas. Aliás, não fora o desleixo municipal, o melhor exemplo nacional da técnica de mosaico-cultura seria precisamente aquele. Infelizmente, este descuido também serve de pretexto para a eliminação desta arte em Lisboa.
O futuro
A iminente alteração do jardim, com a eliminação das referências às antigas províncias ultramarinas que conviveram durante décadas com o jardim e com os lisboetas sem qualquer objecção, suscitou a contestação de milhares de lisboetas, entre os quais antigos presidentes da edilidade, de esquerda e de direita, demonstrando que esta não deve ser uma disputa ideológica, mas antes uma causa de defesa da história, da cultura, do património e da identidade.
Não por acaso, o actual presidente da câmara veio apelar à ponderação, assumindo a recusa de preconceitos na recuperação do Jardim da Praça do Império. Agora, importa que seja consequente na prudência e na responsabilidade.
Vamos admitir que há sensibilidade à contestação popular a este processo. Vamos admitir que foi tomada a consciência de que esta decisão poderá ser um pretexto para impulsionar um movimento de eliminação de símbolos da História de Portugal. Vamos admitir que o preconceito que ditou esta proposta de alteração foi precipitado. Vamos admitir que há vontade de corrigir esta intervenção.
Se assim for, esta pode ser uma oportunidade para intervir numa das mais bonitas e importantes praças de Lisboa, recuperando o melhor exemplo nacional de mosaico-cultura e de topiária, valorizando estas artes e promovendo a importância dos jardineiros, a sua formação e qualificação e impulsionando a actividade da Escola de Jardinagem da CML.
O que está em causa é também a qualidade e beleza dos jardins de Lisboa. Que melhor oportunidade do que qualificar e valorizar o Jardim da Praça do Império, preservando os seus elementos distintivos?
O Jardim da Praça do Império é hoje, na memória colectiva, um jardim que integra os brasões. O respeito por este património não é confundível com a defesa de outros tempos que, incontornavelmente, fazem parte da História de Portugal.
Num tempo em que se observam preocupantes movimentos de eliminação de testemunhos da História dos povos, por vezes acompanhados de acções de vandalização de património público, é insensato que a câmara municipal, mesmo involuntariamente, possa potenciar uma percepção equívoca, alimentando as posições de pessoas ou grupos que pretendem apagar a História.