Há cada vez mais animais “órfãos” e faltam mãos para ajudar
Por várias razões, a pandemia está a deixar muitos animais sem donos. Associações respondem com dificuldade.
A pandemia, que já matou quase 16.000 portugueses, está a deixar muitos animais “órfãos”, que são acolhidos pelos familiares das vítimas ou por instituições, mas a ajuda é cada vez mais difícil pelas adversidades económicas que enfrentam.
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A pandemia, que já matou quase 16.000 portugueses, está a deixar muitos animais “órfãos”, que são acolhidos pelos familiares das vítimas ou por instituições, mas a ajuda é cada vez mais difícil pelas adversidades económicas que enfrentam.
O relato foi feito à agência Lusa pela presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal (LPDA), Maria do Céu Sampaio, e pelo presidente da associação Animalife a propósito do Dia do Animal de Estimação, assinalado este sábado.
Maria do Céu Sampaio diz que a Liga tem recolhido temporariamente alguns animais de pessoas que estão internadas ou em isolamento profiláctico devido à covid-19 e outros de pessoas que morreram por causa da pandemia.
“Isto é uma altura muito má também para as associações que têm abrigos porque têm muita dificuldade em conseguir alimentação para os seus animais. Nós, por exemplo, temos 200 animais que temos de alimentar todos os dias”, conta, apelando aos portugueses para que ajudem as associações que têm abrigos nas suas localidades.
As pessoas podem ajudar com “um simples saquinho de comida ou um saquinho de areão, que custa 1,90 euros, uma garrafa de lixívia, que custa 60 cêntimos ou um saquinho de trinca de arroz que custa 50 cêntimos”, diz Maria do Céu Sampaio, afirmando que “tudo isto é muito bem-vindo para estas associações”.
A Animalife realizou um inquérito com mais de 200 associações de protecção animal sobre impacto da pandemia de covid-19, com a maioria a apontar para uma taxa de abandono entre os 10% e os 20%, enquanto mais de 20% admitem uma subida superior a 30%.
“As dificuldades económicas decorrentes da pandemia, provocadas por exemplo por situações de desemprego, são a principal causa invocada para justificar o aumento do número de animais abandonados neste período, com quase metade das associações a apontarem esta como a principal justificação”, refere a associação.
A maior dificuldade no acesso a bens e serviços de primeira necessidade, como alimentação ou tratamentos médico-veterinários, é o segundo motivo apontado para justificar o abandono.
Famílias sem dinheiro para animais
Desde 2014 que a Animalife tem vindo a criar programas de apoio social dirigido às famílias carenciadas para evitar o abandono dos animais, através de protocolos com algumas autarquias, mas com o aparecimento da covid-19 as dificuldades têm vindo a acentuar-se.
“Uma das situações que mais nos acontece são famílias que passaram a ter a seu cargo mais animais do que aqueles que já tinham, porque houve um elemento da família que morreu que tinha três cães ou três gatos e, agora, esses animais transitam para outros membros da família”, relata Rodrigo Livreiro.
Esta situação tem motivado muitos pedidos de ajuda na Animalife, porque as famílias não têm orçamento para poder acompanhar mais três ou quatro animais que passaram a ter à sua responsabilidade e que significam “dificuldades financeiras acrescidas pelo excesso de animais que passaram a ter pela morte de um familiar”.
Associações encerradas
Também há o caso dos animais que ficam “órfãos” devido à morte do dono, uma realidade que já existia antes da covid-19. As associações de protecção dos animais “sempre foram o ombro de apoio para esse tipo de situação”. Mas a pandemia veio dificultar esse trabalho. Há “uma maior limitação por parte das estruturas associativas porque também elas viram reduzidos os donativos provenientes de pessoas individuais que contribuem para a causa e hoje em dia têm maior dificuldade de responder positivamente a todas estas situações”, sublinha.
Segundo Rodrigo Livreiro, muitas das associações encontram-se encerradas ou com serviços mínimos porque dependem de voluntários e muitos deles estão em teletrabalho e com limitações a nível de deslocação.
“Aquilo que sentimos é que hoje os recursos das associações para responder a essas matérias são muito mais difíceis e muito mais limitados. Infelizmente quem vive sozinho e tinha um animal que dependia de si é de facto uma preocupação muito grande se não tiver ninguém que possa ficar com ele”, salienta.
Para apoiar estas situações, a associação criou em Março do ano passado a Plataforma Solidária Animal, que teve uma “adesão muito grande” de voluntários e que já possibilitou e entrega de cerca de 200 toneladas de ração.
O presidente da Animalife realçou o facto de existir pela primeira uma rubrica no Orçamento do Estado para 2021 que permite às autarquias apresentar despesas relativas à alimentação, abrigo, à vacinação, identificação electrónica e esterilização de animais cujos tutores estão numa situação de carência.
Contudo, ainda não saíram as normas que explicam como é que as autarquias vão poder se candidatar”. No entanto, a associação tem apoiado famílias até no custeio de abrigo temporário dos animais enquanto estão em tratamento hospitalar ou mesmo em recuperação de situações de covid-19, sublinha.