A lei da eutanásia está onde deve estar: no TC

Independentemente do que disser o Tribunal Constitucional, ficaremos com uma certeza: que uma questão tão sensível como esta foi travada por imposição da nossa lei fundamental ou avançou com a força dessa mesma lei. Num e noutro caso, ficaremos a ganhar

Já se suspeitava que, na sua qualidade de católico, o Presidente da República usaria todas as armas ao seu dispor para tentar travar a despenalização da morte medicamente assistida no Código Penal. Sabia-se também que a sua condição de reputado constitucionalista lhe fornecia meios poderosos para concretizar essa sua determinação de consciência. Aconteceu portanto o que se esperava. O diploma aprovado pela Assembleia da República, com divisões entre partidos e fracturas entre correntes ideológicas naturais numa matéria sensível como a linha que separa a morte da vida, vai parar ao Tribunal Constitucional. Não é causa para encontrarmos nesta decisão outra certeza senão a da sua própria inevitabilidade.

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Já se suspeitava que, na sua qualidade de católico, o Presidente da República usaria todas as armas ao seu dispor para tentar travar a despenalização da morte medicamente assistida no Código Penal. Sabia-se também que a sua condição de reputado constitucionalista lhe fornecia meios poderosos para concretizar essa sua determinação de consciência. Aconteceu portanto o que se esperava. O diploma aprovado pela Assembleia da República, com divisões entre partidos e fracturas entre correntes ideológicas naturais numa matéria sensível como a linha que separa a morte da vida, vai parar ao Tribunal Constitucional. Não é causa para encontrarmos nesta decisão outra certeza senão a da sua própria inevitabilidade.

É legítimo supor que a argumentação de Marcelo Rebelo de Sousa não passa de uma colectânea de expedientes usados para impor a sua profissão de fé e a sua consciência moral ao Parlamento. Mas uma leitura atenta da sua exposição obriga igualmente a reconhecer que o diploma em causa abriu o flanco à sua vontade e à sua determinação em colocar obstáculos ao avanço da eutanásia. Porque, mesmo os que acreditam no direito supremo de cada um de nós de dispor da sua vontade em circunstâncias extremas da sua existência (é o caso do autor deste editorial), deve reconhecer validade às críticas que o Presidente faz a várias “indeterminações” da lei.

Uma vez que o diploma tem de estabelecer as regras em que a morte medicamente assistida fica conforme ao Código Penal, essas regras teriam de ser claras, objectivas e insusceptíveis de interpretações de acordo com cada médico ou cada colégio de médicos que sobre elas tenham de decidir. Ora, na sua brilhante exposição, o Presidente considera, com uma boa margem de razão possível, que o significado de “situação de sofrimento intolerável” ou a definição de “lesão definitiva de gravidade extrema” abrem portas a um quadro de “insegurança jurídica que seria de todo em todo de evitar, numa matéria tão sensível”.

Podemos suspeitar que é o Presidente católico a encontrar subterfúgios jurídicos na lei para fazer prevalecer a sua recusa ao avanço da lei. Mas, sublinhe-se, é indispensável reconhecer que a sua argumentação é pertinente e sensata. Face a essa argumentação, o processo segue o único caminho possível no quadro da Constituição: a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional. Independentemente do que disser o tribunal, ficaremos com uma certeza: que uma questão tão sensível como esta foi travada por imposição da nossa lei fundamental ou avançou com a força dessa mesma lei. Num e noutro caso, ficaremos a ganhar.  

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