Teletrabalho pode contribuir para o aumento da natalidade na Europa? Especialistas acreditam que sim
Estudo da Coimbra Business School e da Universidade de Málaga revela que trabalhadores a tempo parcial têm mais disponibilidade para aumentar a família.
Carreira ou família? A questão põe-se a muitos europeus e a maioria acaba por apostar na primeira, sobretudo se trabalhar a tempo inteiro, revela um estudo da Coimbra Business School e da Universidade de Málaga. A mesma investigação — com uma amostra de mais de 19 mil trabalhadores de 34 países europeus, entre os quais Portugal — mostra ainda que quem trabalha em part-time tem mais disponibilidade para aumentar a família. Por isso, acredita Carla Henriques, o teletrabalho pode contribuir para o aumento da natalidade.
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Carreira ou família? A questão põe-se a muitos europeus e a maioria acaba por apostar na primeira, sobretudo se trabalhar a tempo inteiro, revela um estudo da Coimbra Business School e da Universidade de Málaga. A mesma investigação — com uma amostra de mais de 19 mil trabalhadores de 34 países europeus, entre os quais Portugal — mostra ainda que quem trabalha em part-time tem mais disponibilidade para aumentar a família. Por isso, acredita Carla Henriques, o teletrabalho pode contribuir para o aumento da natalidade.
“O teletrabalho permite gerir o horário. Por exemplo, hoje posso estar o dia todo com o meu filho e compenso amanhã ou no fim-de-semana”, exemplifica a autora ao PÚBLICO, acrescentando que o teletrabalho, que aumentou por causa da pandemia, pode ter o aspecto positivo de poder vir a “alterar o paradigma” e abrir as portas a uma maior flexibilização. “A mudança nas condições de trabalho que a pandemia veio provocar poderá ter duas consequências benéficas: aumentar o número de filhos que cada família decide ter; e aumentar a produtividade de cada colaborador, por permitir que estes poupem imensas horas em deslocações, reduzam o stress e tenham uma maior satisfação global com o emprego.”
A conclusão é do estudo “Getting a balance in the life satisfaction determinants of full-time and part-time European workers”, publicado no Journal of Economic Analysis and Policy, que avalia o bem-estar dos trabalhadores a tempo inteiro e a tempo parcial. Feito em parceria com os investigadores Oscar Marcenaro Gutierrez e Luis Lopez-Agudo, de Málaga, a professora de Coimbra revela que os trabalhadores a tempo parcial mostravam maior disponibilidade para aumentar a família. Agora, com a massificação do teletrabalho, não só “pode crescer a produtividade por colaborador”, como “deverá aumentar o número de filhos que cada família decide ter”, prevêem, na expectativa de que haja uma maior conciliação entre a actividade laboral e a vida familiar, assim como no que toca à vida social.
Maior peso para as mulheres
Segundo os dados recolhidos antes da pandemia, o trabalho a tempo inteiro no modelo presencial desincentivava as famílias a terem mais do que um filho. “Antes da pandemia, os profissionais indicavam ser muito difícil criar uma harmonia entre o trabalho e a vida pessoal, uma vez que chegavam a casa esgotados com o ritmo e o stress da rotina dos empregos presenciais e das pendulações casa-trabalho”, afirma Carla Henriques, acrescentando que a opção por não ter filhos ou ter apenas um era tomada para se poder progredir na carreira.
O número de filhos por mulher em idade fértil em Portugal é de 1,41 e a média europeia é de 2,1. Esses valores não permitem a renovação de gerações, alerta a investigadora, enumerando alguns dos problemas que desta decisão decorrem, como o envelhecimento das populações, o peso no Serviço Nacional de Saúde, bem como na Segurança Social. “Esta é uma situação que deveria preocupar os políticos”, diz. “Cabe aos Estados proteger os trabalhadores e ter medidas de apoio”, acrescenta. Estas podem passar por políticas de incentivo à natalidade, como promover horários mais flexíveis ou alargar os apoios aos pais, exemplifica. Também as empresas deverão ter uma palavra a dizer, até porque já perceberam que o teletrabalho veio para ficar.
O estudo baseou-se em quatro critérios de análise: satisfação com a educação, trabalho actual, vida familiar e vida social; e revelou que são as mulheres que estão mais disponíveis para “sacrificar a carreira” a favor de ter uma família – ou seja, o estudo “mostra o sexismo existente na vida familiar, com as mulheres a sacrificarem mais a carreira”, observa a investigadora.
Carla Henriques está atenta aos números que mostram que as mulheres trabalham mais em casa do que os homens, concordando que há uma cultura machista que continua presente na sociedade portuguesa. Contudo, “já se começa a notar que há uma alteração na mentalidade” e disciplinas como a Educação para a Cidadania podem contribuir para que as novas gerações olhem para o trabalho em casa como uma partilha entre o casal.