O armário do presidente do TC
Há dez anos, mesmo que não devesse, João Pedro Caupers tinha todo o direito, como indivíduo, a professar uma mundivisão arcaica ou, como explicou, a usá-la como provocação. Agora que chegou à presidência do TC, essa mundivisão tem outras implicações
O presidente do Tribunal Constitucional apareceu associado a iniciativas do PS, mas, em matéria de costumes, é um conservador à antiga. Num artigo de opinião de há dez anos para um jornal de parede da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que o Diário de Notícias revelou, João Pedro Caupers manifesta esse conservadorismo através de estranhas observações sobre a homossexualidade e os homossexuais. Preocupava-o a “promoção das suas ideias”. Incomodava-o que “uma inexpressiva minoria” tivesse uma “voz enorme e despropositadamente ampliada pelos media”. Indignava-o que se julgassem uma “vanguarda iluminada”. E, numa lógica darwinista digna do reino animal, garantia que jamais seriam maioritários.
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O presidente do Tribunal Constitucional apareceu associado a iniciativas do PS, mas, em matéria de costumes, é um conservador à antiga. Num artigo de opinião de há dez anos para um jornal de parede da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que o Diário de Notícias revelou, João Pedro Caupers manifesta esse conservadorismo através de estranhas observações sobre a homossexualidade e os homossexuais. Preocupava-o a “promoção das suas ideias”. Incomodava-o que “uma inexpressiva minoria” tivesse uma “voz enorme e despropositadamente ampliada pelos media”. Indignava-o que se julgassem uma “vanguarda iluminada”. E, numa lógica darwinista digna do reino animal, garantia que jamais seriam maioritários.
O que mais incomoda neste texto é a noção de que os homossexuais não são pessoas como todas as outras, com as suas vidas e diferenças, credos e idiossincrasias. Aos olhos do agora presidente do TC, não são indivíduos reais, mas membros de uma espécie de seita formal, voltada para o proselitismo das “suas ideias”. Neste jogo que tende para a oposição entre “eles” e “nós”, há obviamente um cheiro a mofo que expressa uma mundivisão arcaica. Há dez anos, mesmo que não devesse, tinha todo o direito, como indivíduo, a professá-la ou, como explicou, a usá-la como provocação. Agora que chegou à presidência do TC, essa mundivisão tem outras implicações. Bem mais graves.
Não se trata de termos no TC um jurista que contesta a Constituição. João Pedro Caupers recusa qualquer “forma de discriminação contra quem quer que seja”. Defende que essa “minoria” (sic) deve ser tratada com “dignidade e sem preconceito, tanto pelo Estado como por outros cidadãos”. Mas essa é uma posição formal. Encarar os homossexuais como uma organização conspirativa que atenta contra a “maioria” “hetero” não é um preconceito? Conceder-lhes interesses e motivações vagamente opacas conjuga bem com a Constituição que garante a todos os cidadãos a “mesma dignidade”? Esgrimir “provocações” num tema sensível cabe bem no estatuto do presidente de um tribunal superior?
A questão não se coloca por em causa estar uma concepção conservadora – um progressista radical mereceria o mesmo juízo. Se a democracia sempre viveu bem entre o progressismo radical e o conservadorismo radical, se nesse diálogo sempre houve tensão, avanços e recuos, se João Pedro Caupers não ultrapassou as fronteiras da lei, se o seu escrito “tolo” pode merecer condescendência, a verdade é que se expôs a uma série de suspeitas que lhe complicam a missão. Vai ter a dura tarefa de provar que o que ele parece não é. Não é um bom começo.