Deveremos tolerar o presidente do Tribunal Constitucional?
Há más ideias bem articuladas. Estas só revelam pobreza intelectual. Que tenhamos este pouco erudito “tolerante” a presidir ao Tribunal Constitucional diz mais sobre o Tribunal Constitucional e a política portuguesa do que sobre ele.
Como os seus escritos jurídicos já por si sugeririam, ter João Caupers no Tribunal Constitucional só nos pode fazer sorrir. Tê-lo como presidente entra no reino do insólito. A revelação do seu texto sobre os homossexuais confirma-o, quer pelo discriminatório preconceito, quer pela pobreza intelectual.
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Como os seus escritos jurídicos já por si sugeririam, ter João Caupers no Tribunal Constitucional só nos pode fazer sorrir. Tê-lo como presidente entra no reino do insólito. A revelação do seu texto sobre os homossexuais confirma-o, quer pelo discriminatório preconceito, quer pela pobreza intelectual.
Caupers escreveu sobre “a promoção das respectivas ideias”, não percebendo que os homossexuais não são um grupo com um conjunto de ideias. Trata-se de uma questão de identidade, aspiração pessoal e modo de vida. Assenta no amor, na partilha de uma vida, na dedicação ao outro, como sucede com quaisquer pessoas. Há homossexuais de esquerda e de direita, que lêem literatura e vêem futebol, ricos e pobres, empregados e patrões e aí por diante. A redução de um modo de vida formador da sua identidade a um grupo monolítico com as “respectivas ideias” é notável: o seu ataque à alegada “promoção” das ideias dos homossexuais é um disparate doloroso.
A frase de que “os homossexuais não passam de uma inexpressiva minoria” mostra que o presidente do TC não compreendeu que ser “minoria” só desqualifica um grupo em matérias onde é relevante ser-se maioria, como no caso da formação de um governo ou aprovação de leis. Não desvirtua raças, géneros, etnias, línguas, modos de vida, nem sequer filosofias, estilos literários ou artísticos. Nem os homossexuais são um grupo, muito menos homogéneo.
E também não percebe que o que caracteriza várias minorias não é tanto o facto de serem menos, é o facto de terem sido historicamente, e pelo mundo fora, vítimas de perseguições pela sociedade e pela máquina repressora do Estado, incluindo por tribunais, bem como de violência física, enxovalho, discriminação no emprego e na expressão pública dos seus afectos. A dualidade simplificadora que saltou dos seus dedos entre homossexuais e heterossexuais ignora o facto histórico da perseguição e discriminação, como se de categorias abstractas se tratassem, bem típico de juristas.
Alega que “Não estão destinados a crescer e a expandir-se” como se a homossexualidade fosse um partido político – e não um traço fulcral da vida, identidade, felicidade e realização pessoal de um indivíduo.
A referência à tolerância dos homossexuais revela desrespeito e ignorância. Ínsita ao conceito de tolerância está uma conduta que consideramos censurável: só se tolera o errado. O aparente paradoxo da ideia de tolerância está no dever de condescendermos com o censurável, por razões que tornariam repreensível não aceitar uma conduta censurável. Toleram-se insultos em nome da liberdade de expressão. Se uma conduta não merece censura, ou a afirmamos ou nos é indiferente. Não a toleramos. É, por isso, ofensivo que o presidente do TC entenda paternalística e discriminatoriamente que se deve tolerar os homossexuais. É injurioso, por conter um juízo de reprovação, dizer que toleramos uma raça, uma etnia, uma religião, um género ou uma categoria de pessoas. É racista aquele que afirma tolerar outras raças. Já Goethe havia escrito que “tolerar significa insultar”.
Há más ideias bem articuladas. Estas só revelam pobreza intelectual. Que tenhamos este pouco erudito “tolerante” a presidir ao Tribunal Constitucional diz mais sobre o Tribunal Constitucional e a política portuguesa do que sobre ele.