Como soa uma baleia numa pauta? Alexander traduz sons de animais para quem os quiser tocar
Do confinamento em Berlim nasceu uma ideia para passar o tempo: transcrever os sons de animais para pautas. Baleias, cães, aves: Alexander Liebermann ouve-os e traduz para outros músicos. “Não sabia que os pinguins faziam este tipo de sons, é de loucos.”
No meio dos dias todos iguais e com tendência para a depressão do confinamento de Março de 2020, Alexander Liebermann rendeu-se aos vídeos de animais que pululam na Internet. Na casa de Berlim para a qual regressou no início de 2020, o músico deu por si “muito deprimido”. “Um dia vi um vídeo de um cão a uivar enquanto tocava piano. Fiquei curioso com os sons que ele estava a fazer, eram parecidos com notas que estava a tocar no piano”, recorda. O que fez a seguir? Pegou numa pauta e começou a transcrever os sons que o animal estava a produzir, “como um simples exercício de prazer”, na impossibilidade de se perder na natureza.
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No meio dos dias todos iguais e com tendência para a depressão do confinamento de Março de 2020, Alexander Liebermann rendeu-se aos vídeos de animais que pululam na Internet. Na casa de Berlim para a qual regressou no início de 2020, o músico deu por si “muito deprimido”. “Um dia vi um vídeo de um cão a uivar enquanto tocava piano. Fiquei curioso com os sons que ele estava a fazer, eram parecidos com notas que estava a tocar no piano”, recorda. O que fez a seguir? Pegou numa pauta e começou a transcrever os sons que o animal estava a produzir, “como um simples exercício de prazer”, na impossibilidade de se perder na natureza.
Alexander Liebermann, franco-alemão de 31 anos, mergulhou, assim, num novo universo sonoro. “Comecei a ver mais vídeos de animais no YouTube. Afinal, não tinha falta de tempo”, conta, entre risos, ao P3. Os sons que ia transcrevendo para a pauta, traduzindo-os para notas musicais que podem ser tocadas por outros músicos, começaram a fazer sucesso na página de Instagram onde os ia partilhando.
“Encontrei vídeos de animais que conhecia, como baleias, mas cujos sons de chamamento ignorava completamente. Foi realmente comovente”, recorda o também compositor. “Como é que eu não sabia mais sobre isto?”, questionou-se. Foi o ponto de partida para se dedicar a ler mais sobre os sons que os animais fazem, de artigos científicos sobre o tema a uma análise em termos musicais. Os factos “surpreendentes” não se fizeram esperar. “Sabias que algumas notas que o rouxinol canta estão para lá do alcance de audição humana? Ultrapassam o piano ou qualquer outro instrumento que se possa tocar.”
Para que estas melodias emitidas por animais possam surgir numa pauta, “há muitos passos envolvidos”. O primeiro é óbvio: procurar e escolher um vídeo que mostre animais a vocalizar sons. “É uma escolha muito subjectiva, depende do ritmo e do tom.” E também da sensação que os próprios sons causam no jovem compositor, se ouve logo o tempo e o consegue pôr no papel. “Às vezes ouço algumas tónicas que o animal faz e inclino-me mais para um beat mais forte. No início usava indicações de tempo, mas as novas transcrições não as têm – os animais também não”, brinca. “Começo por escrever o ritmo do animal. Assim que isso está feito posso trabalhar nas notas e para isso uso o ouvido, o piano e, às vezes, um software para desacelerar o ritmo, quando fica mesmo muito complicado”, elenca. “No caso dos pinguins, por exemplo, é impossível ouvir na velocidade original.”
Todavia, Alexander faz questão de dizer: “Não sou especialista, abordo isto apenas como músico. O que posso acrescentar é muito limitado.” Pode, isso sim, assimilar conhecimento enquanto músico: “Aprendi muito, é inspirador”. Confinado em Berlim há quase um ano, com alguns meses de medidas de isolamento mais leves, o professor apercebeu-se como “os centros do mundo da música clássica são sempre grandes cidades, conservatórios, salas de concertos”.
“Distanciámo-nos dos sons da natureza, no geral”, admite Alexander, que viveu sete anos e meio em Nova Iorque, onde estudou e deu aulas de Teoria Musical e Ear Training, quer na Juilliard School quer na Manhattan School of Music. Quase sempre rodeado de prédios, cimento e automóveis, pouco atento aos elementos naturais para os quais despertou, como muitos de nós, durante os confinamentos imposto pela pandemia de covid-19.
Uma das pautas que mais reacções gerou foi a dos pinguins, “que usam dois tons ao mesmo tempo”. “Não sabia que os pinguins faziam este tipo de sons, é de loucos”, prossegue Alexander, que tem esperança de conseguir causar algum impacto noutros músicos. “Talvez depois de ver isto, alguém se importe mais com o mundo animal.” Já aconteceu: “Grandes músicos partilharam o projecto e a Greenpeace também. Fiquei muito comovido, tornou-se algo maior do que aquilo que eu esperava.”
Entre mensagens de pessoas que “admitiram ter chorado ao ouvir o lobo cantar” e que julgaram ter reconhecido, no som produzido pelos pinguins, uma sonata para viola, Alexander recebeu, também, alguns comentários menos positivos. “Há quem não perceba o que estou a fazer, dizem que já foi feito por Olivier Messiaen”, explica. Messiaen, compositor e ornitólogo francês nascido no início do século XX, ficou famoso por “incluir sons de pássaros na sua música”. A diferença entre ambos, ressalva Alexander, é que Messiaen fazia acordes a partir das melodias das aves. “Abordo estes sons enquanto transcritor, não como como compositor. Não acrescento notas, não as desenvolvo nem harmonizo. Tento apenas mostrar, de uma forma pura, como os sons podem parecer numa pauta. Se outros compositores os quiserem usar na sua música, óptimo. Mas não é esse o meu propósito.”
As pautas estão disponíveis online, no Instagram de Alexander, para quem se quiser aventurar.