Britânico Karim Khan eleito procurador-geral do Tribunal Penal Internacional
Advogado e responsável máximo pelas investigações da ONU aos crimes de guerra do Daesh no Iraque, Khan vai substituir no cargo Fatou Bensouda, que termina o mandato debaixo de sanções dos Estados Unidos.
O advogado britânico Karim Khan vai ser o próximo procurador-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI) para a investigação e julgamento de casos de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
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O advogado britânico Karim Khan vai ser o próximo procurador-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI) para a investigação e julgamento de casos de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Khan vai substituir no cargo a gambiana Fatou Bensouda, que termina o seu mandato à frente do TPI debaixo de sanções dos Estados Unidos da América – um dos países, a par da China, Rússia, Israel ou Líbia, que não reconhecem a autoridade ao tribunal para julgar os seus cidadãos.
Karim Ahmad Khan, de 50 anos, é um especialista em legislação penal internacional nas Nações Unidas, onde lidera a equipa de investigação aos crimes de guerra cometidos pelo Daesh no Iraque.
O britânico foi eleito na noite de sexta-feira, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, com o apoio de 72 dos 123 países que ratificaram a criação do TPI. É o terceiro procurador-geral a liderar o tribunal por um período de nove anos, depois do argentino Luis Moreno-Ocampo e de Bensouda, que termina o seu mandato a 16 de Junho.
Numa primeira votação, na tarde de sexta-feira, nenhum dos quatro candidatos teve o mínimo de 62 votos necessários para a eleição, com Karim Khan a receber 59, seguido pelo juiz irlandês Fergal Gaynor (47 votos), pelo juiz espanhol Carlos Castresana Fernández (12) e pelo procurador-geral de Palermo, em Itália, Francesco Lo Voi (5).
Afeganistão e Palestina
Como procurador-geral do TIP, Khan vai ser o responsável por decisões sensíveis como a abertura de investigações a crimes de guerra cometidos por soldados norte-americanos e israelitas – precisamente a questão que levou os EUA a aplicar sanções à actual procuradora-geral, Fatou Bensouda.
Em Setembro de 2020, a Administração Trump congelou bens e contas bancárias de Bensouda no território dos EUA e proibiu empresas e cidadãos norte-americanos de se associarem a ela em negócios. Meses antes, como aviso prévio, Washington cancelara o visto de entrada de Bensouda nos EUA – uma medida que não afectou as frequentes viagens da procuradora-geral para a sede da ONU, que tem um estatuto especial.
As sanções foram aplicadas depois de o TPI ter confirmado que ia investigar acusações de crimes de guerra cometidos “por todas as partes” na guerra no Afeganistão, o que incluía o Exército norte-americano.
Relação conturbada
A relação dos EUA com o TPI nunca foi pacífica, variando entre a total oposição do Partido Republicano e a abertura do Partido Democrata a um envolvimento como observador ou em casos específicos.
O TPI foi criado em 1998, com base no Estatuto de Roma, e entrou em funcionamento em 2002.
O Estatuto de Roma foi assinado pelo Presidente Bill Clinton a 31 de Dezembro de 2000 – 21 dias antes da sua saída da Casa Branca –, mas nunca foi enviado para aprovação no Senado.
Com a eleição do Presidente George W. Bush, os EUA notificaram oficialmente o TPI que não iam ratificar o Estatuto de Roma, nem iam colaborar em qualquer situação com o tribunal.
Os dois lados aproximaram-se um pouco durante a Administração Obama, com os EUA a envolverem-se assumindo o estatuto de país observador e sem qualquer compromisso para acatar as decisões do tribunal.
A eleição de Donald Trump voltou a cortar quaisquer laços com o TPI, e o último ano tem sido mesmo o mais conturbado entre os dois lados, com o anúncio das investigações aos crimes de guerra no Afeganistão e a retaliação da Casa Branca com as sanções à procuradora-geral.
Em Janeiro, a nova Administração Biden anunciou que vai proceder a uma “revisão completa” das sanções aplicadas pela Administração Trump, mas não se espera que os EUA venham algum dia a ser membros do TPI.
Em causa está a oposição – tanto no Partido Republicano como no Partido Democrata – à ideia de que um tribunal internacional tenha autoridade para investigar e julgar cidadãos norte-americanos em território dos EUA. Para muitos opositores em ambos os partidos, a Constituição dos EUA teria de ser alterada para que isso fosse possível.
E os responsáveis máximos pela diplomacia, nas várias administrações norte-americanas, consideram que os EUA não podem ser julgados da mesma forma que qualquer outro país, porque a sua intervenção militar estende-se a várias partes do mundo.
Reacção de Israel
Para além de ter de lidar com a oposição dos EUA, o próximo procurador-geral do TPI terá também de enfrentar a pressão de Israel, que não aceita a abertura de uma investigação a crimes de guerra cometidos nos territórios ocupados da Palestina.
O TPI declarou, na semana passada, que tem autoridade para investigar ofensivas das Forças Armadas de Israel em Gaza, como as que aconteceram em 2014 e em 2018, para além de ataques do Hamas contra civis israelitas.
A decisão de avançar para as investigações no terreno, em Israel e na Palestina, vai passar para a liderança de Karim Khan – um experiente advogado que se destacou em casos de violação das leis internacionais no Quénia, no Sudão e na Líbia.
“A grande experiência de Karim na área da lei internacional vai ser crucial para se garantir que os responsáveis pelos crimes mais hediondos sejam levados a tribunal”, disse, no Twitter, o responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros no Reino Unido, Dominic Raab.