A bazuca que acabou em vitamina
Ao trocar uma explosão em favor de um nutriente, o chefe do Governo acaba por nos confrontar com uma realidade hoje bem mais cautelosa e desistente do que há uns meses
Quando se começaram a desenhar as primeiras linhas do programa europeu para restaurar as economias da devastação da pandemia, o primeiro-ministro mostrou-se convicto que em causa não estaria uma fisga, mas uma bazuca. Esta semana, no momento em que foi a Bruxelas assinar o novo acto legislativo que institui o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, António Costa desistiu da terminologia bélica e começou a falar numa “vitamina”. Bem sabemos que uma ou outra expressão são apenas palavras simplificadoras, que dão bons slogans e melhores títulos nos jornais, mas não alteram a realidade de fundo. Mas ao trocar uma explosão em favor de um nutriente, o Governo acaba por nos confrontar com uma realidade hoje bem mais cautelosa e desistente do que há uns meses.
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Quando se começaram a desenhar as primeiras linhas do programa europeu para restaurar as economias da devastação da pandemia, o primeiro-ministro mostrou-se convicto que em causa não estaria uma fisga, mas uma bazuca. Esta semana, no momento em que foi a Bruxelas assinar o novo acto legislativo que institui o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, António Costa desistiu da terminologia bélica e começou a falar numa “vitamina”. Bem sabemos que uma ou outra expressão são apenas palavras simplificadoras, que dão bons slogans e melhores títulos nos jornais, mas não alteram a realidade de fundo. Mas ao trocar uma explosão em favor de um nutriente, o Governo acaba por nos confrontar com uma realidade hoje bem mais cautelosa e desistente do que há uns meses.
Não há como o esconder: depois de uma queda brutal do produto em 2020 (7,6% do produto), a economia continua a afundar por causa do confinamento geral. Quanto mais empresas se destruírem e mais postos de trabalho se extinguirem, mais difícil será regressar aos níveis pré-crise. Claro que Bruxelas aponta números simpáticos para o crescimento este ano e no próximo, mas aconteçam surpresas negativas ou persistam sinais de resiliência, o certo é que Portugal chegará ao final de 2021 ainda mais longe da média europeia. É neste contexto que vale a pena perguntar o que se pretende com os 24 mil milhões de euros do Mecanismo: o efeito de uma bazuca ou o complemento de uma vitamina?
Os mais optimistas chegaram a acreditar que o recurso às verbas europeias seria a grande oportunidade para Portugal resolver, pelo menos, uma parte das debilidades estruturais da sua economia. Um momento único para fazer com que o país de hoje – muito mais dotado ao nível da ciência e do conhecimento, com uma nova geração muito mais qualificada, com sectores capazes de competir nas áreas críticas da engenharia e num lugar confortável no índice europeu de inovação – abandonasse o seu caminho para o fim da fila europeia e pudesse chegar-se ao pelotão da frente.
A bazuca serviria para rebentar amarras e concentrar a energia no discurso económico que faz de figurante no debate político. Uma vitamina ficar-se-á por melhorar a dieta do que hoje existe, que começa e acaba nos assuntos do estado e dos seus funcionários, no jogo de equilíbrios precários com o anacronismo do Bloco e do PCP ou com o conformismo indolente do PSD. Pela frágil situação política que não providencia opções claras, pelo cansaço da sociedade ou pela exaustão do tecido económico, teremos de concordar com a receita de António Costa: a anomia de Portugal não justifica grandes expectativas de transformação. Venha a vitamina para evitar doenças piores.