Decreto do Governo confirma autorização de venda de livros em todos os espaços que podem estar abertos
António Costa acatou a excepção imposta pelo Presidente da República, mas não recua no fecho das livrarias, que serão agora as únicas a não poder vender livros.
O decreto que regulamenta o novo estado de emergência, assinado pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República (PR), e divulgado este sábado de manhã, estabelece que o ministro da Economia pode, mediante despacho, interditar os espaços que permanecem abertos de vender “bens tipicamente comercializados” em estabelecimentos forçados a encerrar, “com exclusão designadamente de livros e materiais escolares, que devem continuar disponíveis para estudantes e cidadãos em geral”.
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O decreto que regulamenta o novo estado de emergência, assinado pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República (PR), e divulgado este sábado de manhã, estabelece que o ministro da Economia pode, mediante despacho, interditar os espaços que permanecem abertos de vender “bens tipicamente comercializados” em estabelecimentos forçados a encerrar, “com exclusão designadamente de livros e materiais escolares, que devem continuar disponíveis para estudantes e cidadãos em geral”.
António Costa já explicara na conferência de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros desta quinta-feira que o Governo teria de respeitar as limitações impostas pelo decreto presidencial, e no que respeita à excepção agora criada para os livros, este diploma transcreve ipsis verbis o que Marcelo Rebelo de Sousa então escrevera.
Mas se o PR impôs o livro como uma excepção aos bens que o Governo não considera essenciais e que até aqui, para evitar distorções de mercado, não podiam ser vendidos nos espaços ditos multi-produto — dos hipermercados às lojas FNAC, El Corte Inglés ou Worten, entre outros —, também criou as condições para que as livrarias se tornassem uma espécie de irónica excepção negativa, já que os únicos lugares exclusivamente devotados à venda de livros são agora precisamente os únicos que não os podem vender.
António Costa parece ter acatado esta excepção presidencial um tanto a contragosto. “O Sr. Presidente da República proibiu-nos de proibir” a venda de livros, disse o primeiro-ministro na quinta-feira aos jornalistas e ao país, numa escolha de palavras que sugeria alguma ironia, mesmo que a alusão ao célebre slogan de Maio de 68 tenha sido involuntária. E o decreto agora divulgado, que tem data de sexta-feira, não parece dar esperança às livrarias de que possam vir a abrir as portas tão cedo, afirmando, logo no início, que “não é (…) recomendável que se reduzam as medidas que têm vindo a ser adoptadas”.
Tanto a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) como a Rede de Livrarias Independentes (RELI) têm defendido a reabertura das livrarias, e a APEL mostrou-se já disponível para trabalhar com o Governo na calendarização dessa medida, admitindo um período intermédio em que estas pudessem apenas vender à porta ou ao postigo. O que distingue a posição da APEL da da RELI é que a primeira defende que o fecho das livrarias não deve constituir motivo para que os outros espaços sejam impedidos de vender livros, cenário que a segunda “rejeita em absoluto”, esperando que “o Estado cumpra as suas funções de garante do cumprimento da Lei da Concorrência, nomeadamente no respeito pela concorrência saudável”.
A RELI enviou esta sexta-feira à imprensa um comunicado no qual afirma que, “a haver autorização para a venda de livros, seja onde for, ela deve começar por contemplar a abertura das livrarias”, já que, argumenta, elas “são o lugar por excelência de venda de livros e o único onde estão representados todos os catálogos de todas as edições, de todos os autores, revisores e tradutores, de micro, pequenas, médias ou grandes editoras, e ainda edições de autor, ao contrário da oferta limitada que existe noutros espaços comerciais”.
Considerando o livro “um bem essencial” que, por isso mesmo, deve estar acessível a todos, a RELI defende “a abertura das livrarias ao público, sem restrições”, de modo a que este possa “voltar a ter acesso ao livro físico, junto do seu livreiro de proximidade”. O comunicado sublinha ainda que “as livrarias nunca fecharam, apenas reinventaram formas de fazer circular os livros” e que a RELI se tem “batido por uma maior dignificação do sector, com regras justas, claras e cumpridas por todos”, e que “é, portanto, com grande perplexidade” que encara “a possibilidade de os livros passarem a poder ser vendidos em todos os locais excepto… nas livrarias”.
A APEL observa que, sendo este decreto vinculativo, “não é necessário aguardar por um despacho do ministro da Economia para que os livros possam voltar a ser vendidos, já a partir de segunda-feira, nos pontos de venda autorizados a estar abertos”.
Pedro Sobral, vice-presidente da associação, mostra-se satisfeito por esta decisão ir “permitir a muitas livrarias que são também papelarias voltar a vender livros”, mas considera igualmente importante “abrir todas as livrarias, nem que seja, por enquanto, apenas ao postigo, e começando por aquelas que têm porta para a rua”.
A APEL, assegura, “está disponível para trabalhar com o Governo para que esta abertura das livrarias — das redes livreiras como a Bertrand ou do grupo Ler Devagar às livrarias independentes — seja feita o mais rapidamente possível”.
Notícia alterada às 17h45 para acrescentar a posição da APEL.