O futebol já tem bolinha vermelha?
Sei que são poucos os jogos de futebol que dão em canal aberto, mas será que não deviam ter também uma bolinha vermelha no canto? Não é que seja conteúdo apenas para maiores de 18 anos, mas se há tantos constrangimentos para dizer asneiras na televisão, o futebol parece conseguir abrir essa via.
Escrevo esta crónica enquanto vejo mais um jogo de futebol sem adeptos no estádio. O ensurdecedor barulho dos adeptos é agora substituído por gritos soltos que se ouvem tão bem quanto os pontapés na bola. Não sei se a “redondinha” tem microfone, mas cada pancada seca, cada remate, cada bola no ferro, tem tanta magia como o vernáculo que os jogadores atiram ao ar e uns aos outros.
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Escrevo esta crónica enquanto vejo mais um jogo de futebol sem adeptos no estádio. O ensurdecedor barulho dos adeptos é agora substituído por gritos soltos que se ouvem tão bem quanto os pontapés na bola. Não sei se a “redondinha” tem microfone, mas cada pancada seca, cada remate, cada bola no ferro, tem tanta magia como o vernáculo que os jogadores atiram ao ar e uns aos outros.
Falam muitos de “alhos”, mas nunca vi nenhum deles a trocar uma receita ou como fazer um refogado. Sei que são poucos os jogos de futebol que dão em canal aberto, mas será que não deviam ter também uma bolinha vermelha no canto? Não é que seja conteúdo apenas para maiores de 18 anos, mas se há tantos constrangimentos para dizer asneiras na televisão, o futebol parece conseguir abrir essa via. Vá, a m*rda já está banalizada, mas é a única. Esta semana também ouvi, numa novela, uma pessoa chamar a outra aquela palavra que começa por “cabra”, mas que acaba em “ão”. Não me chocou, de todo, mas será que vamos banalizar o vernáculo televisivo a começar pelo futebol?
“Cartão amarelo por protestos” era algo que nos deixava a sonhar e a ponderar sobre qual o membro da família do árbitro ou qual a sua característica física que foi ofendida. Na maior parte dos casos, trata-se de divulgar a plenos pulmões qual é a profissão (supostamente desonesta) da sua mãe. Pelo menos é o que a experiência no estádio me dizia, mas hoje tenho a certeza. Como adepto de futebol, prefiro estar no estádio, mas como amante da língua portuguesa, é muito mais divertido assim.
Aliás, o futebol sempre me ensinou muita coisa. As minhas primeiras aulas de geografia foram os jogos da Liga dos Campeões e da antiga Taça UEFA. Hoje já não aprendo tanto sobre cidades e vilas europeias, mas tenho aprendido muito vernáculo internacional, algo que também me dá muito jeito na vida adulta. Se há uma coisa que une as pessoas em qualquer país do mundo é saber como dizer um bom e libertador f***-se na língua nativa.
Voltando ao futebol, sempre me deixou curioso saber o que gritam os treinadores para o campo ou o que querem transmitir com aqueles gestos todos a imitar um polícia sinaleiro dos anos 70. Diziam os comentadores que “o frenesim e a energia dos adeptos é de tal forma intensa que os jogadores não ouvem nada do que os treinadores dizem”. Pois bem, a covid-19 “ofereceu” o silêncio para ajudar os treinadores a comunicar, o que ninguém esperava era que os jogadores também gritassem muito alto uns com os outros.
E quando víamos um jogador a rebolar de dores numa clara expressão facial de dor e agonia? Não o ouvíamos gritar, mas quase que sentíamos as dores daquela falta. Quer dizer, sentíamos consoante a cor da camisola, dói sempre mais quando atinge os nossos. As faltas continuam a ser duras, mas há uma constante com a qual tenho ficado fascinado: quem grita mais, raramente sente dores. Sendo assim, porque gritam tanto?
Não sei, mas acredito que só querem é atenção. Sim, cada um deles quer ser o centro das atenções e o grito é apenas código para “vá lá, apita para mim”. Não vou negar que há todo um novo encanto nesta modalidade. Tenho muitas saudades de voltar a “casa”, mas sei que também vou ter saudades destes dias em que ouço verdadeiras pérolas linguísticas.