Morreu Agostinho Álvares Ribeiro, projectista de sete barragens do Douro

De Miranda a Crestuma, Álvares Ribeiro participou em quase todos os projectos no Douro e, com essa experiência, criou a área de Estudos de hidráulica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

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Álvares Ribeiro, numa entrevista à RTP, em 2007

Galgava o Douro algumas das suas margens, num dia de cheias muito controladas pelas suas barragens, quando se soube da morte do engenheiro de hidráulica responsável pelo projecto de sete destes empreendimentos que em Portugal, ao longo de mais de duas centenas de quilómetros, modelam os humores do rio e aproveitam os seus desníveis para a produção de energia.

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Galgava o Douro algumas das suas margens, num dia de cheias muito controladas pelas suas barragens, quando se soube da morte do engenheiro de hidráulica responsável pelo projecto de sete destes empreendimentos que em Portugal, ao longo de mais de duas centenas de quilómetros, modelam os humores do rio e aproveitam os seus desníveis para a produção de energia.

Agostinho Álvares Ribeiro tinha 93 anos. Morreu esta quarta-feira e o seu desaparecimento foi assinalado pela Câmara do Porto. “A obra não desmente o legado imortal de uma personalidade que ficará para sempre na nossa memória como um dos grandes nomes da engenharia portuguesa do século XX, que também deixou o seu inestimável contributo para as novas gerações de engenheiros”, salienta o presidente do município, Rui Moreira.

Nascido no Porto em 1927 e doutorado em 1956, com uma tese sobre o Método de Cálculo de Barragens Arco, Agostinho de Sousa Guedes Álvares Ribeiro lançou os estudos de Hidráulica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, recorda um dos seus alunos e posterior companheiro na FEUP, Fernando Veloso Gomes. “Ele dedicava-se às barragens e reuniu a primeira equipa, para a qual arranjou um número dois notável, para a área do ciclo urbano da água, que era o professor Novais Barbosa [que viria a ser reitor da UP]”, recorda o catedrático especialista em hidráulica marinha que se jubilou no ano passado. 

O primeiro laboratório de hidráulica

Veloso Gomes assinala que, além de ter incentivado o surgimento de estudos nesta área – “foi ele que criou o primeiro laboratório que tivemos”, lembra –, Álvares Ribeiro trazia para as aulas toda uma experiência de trabalho enquanto engenheiro da antiga Hidroeléctrica do Douro e, posteriormente, da EDP, “uma visão do mundo real muito importante” para o ensino da engenharia. O seu nome está ligado às barragens do troço nacional do Douro - Carrapatelo (1971), Bagauste (1973), Valeira (1976), Pocinho (1983) e Crestuma-Lever (1986) mas o seu companheiro na FEUP  recorda ainda o seu papel nos empreendimentos no Douro Internacional.

O especialista em hidráulica marinha lamenta até que, no caso de Picote (1958), o primeiro dos três aproveitamentos hidroeléctricos erguidos no Douro Internacional, se tenha reconhecido o papel dos arquitectos envolvidos – responsáveis por um conjunto notável de obras associadas ao empreendimento que ficaram conhecidas como o Moderno Escondido – e não se releve da mesma forma, o papel da engenharia portuguesa nesses projectos que mudaram o rosto do Douro. 

Aprender com os americanos

Como explicou o próprio Álvares Ribeiro num programa da RTP, em 2007, a engenharia de barragens portuguesa deveu muito ao apoio técnico dos EUA, ao abrigo do Plano Marshall, e às viagens que ele então pôde, com outros, fazer, para conhecer empreendimentos similares noutros países. A academia beneficiou destas experiências concretas no seio das empresas hidroeléctricas do Cávado, Douro e Zêzere. E porque a legislação o permitia então, Álvares Ribeiro conciliou o percurso profissional com vida académica até à posição de catedrático, que ocupou desde 1959 até à reforma, em 1997. 

O município do Porto recorda que ele “foi igualmente reconhecido pela sua dimensão humanista, o que lhe mereceu a Medalha da Ordem de Cristo, com que foi agraciado em 1964”. “O Professor Doutor Agostinho de Sousa Guedes Álvares Ribeiro foi um cidadão notável, muito considerado, que nos deixa, por isso, um enorme testemunho profissional e pessoal”, refere Rui Moreira.

Aliás, o município detalha o percurso longo deste engenheiro e consultor de projectos de barragens, descarregadores, eclusas de navegação, na Electricidade de Portugal, de 1953 a 1990, e ainda do quebra-mar de Sines, cuja relevância, do ponto de vista académico, o levou a vários Congressos Internacionais das Grandes Barragens entre 1958 e 1991.  “O franco reconhecimento internacional do engenheiro Agostinho Álvares Ribeiro revê-se também na sua participação como consultor dos aproveitamentos do Rio Cauca, um dos mais importantes cursos de água da Colômbia, e como membro da Comissão Internacional dos Rios Luso-Espanhóis”, acrescenta a autarquia.

Em 1995, vemo-lo a defender a importância da barragem de Foz Côa numa altura em que no país já se percebera, um ano antes, que o local era um santuário de gravuras rupestres e se discutia o abandono do projecto, como viria a acontecer em Janeiro do ano seguinte. Para além do aproveitamento hidroeléctrico, num artigo do Boletim da Universidade do Porto este antigo membro do Conselho Superior de Obras Públicas defendeu a albufeira que ali se poderia criar como uma reserva estratégica de água para a região. 

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Veloso Gomes, que colaborou com ele no projecto de Crestuma, ainda nos anos 70, destaca-lhe a capacidade para procurar soluções interdisciplinares para os problemas que as barragens também colocam ao nível da navegabilidade, da circulação de peixe e na qualidade da água que, nota, não estavam no centro das preocupações das empresas que constroem e exploram este tipo de empreendimento e que pretendiam, essencialmente, maximizar a capacidade electroprodutora de cada um deles.