Manuel Salgado é arguido por causa do Hospital CUF Tejo e demite-se da Reabilitação Urbana
Ex-vereador liderava a empresa municipal de grandes obras desde 2018. Diz que rejeita “veementemente” ter feito qualquer acto ilícito e queixa-se de ter sido vítima de um “clima de suspeição permanente”. CUF diz-se convicta da legalidade do hospital.
Manuel Salgado, ex-vereador do Urbanismo de Lisboa, foi constituído arguido num inquérito judicial relacionado com a aprovação do Hospital CUF Tejo, em Alcântara, e pediu a demissão da liderança da Sociedade de Reabilitação Urbana Lisboa Ocidental (SRU), a que presidia desde 2018.
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Manuel Salgado, ex-vereador do Urbanismo de Lisboa, foi constituído arguido num inquérito judicial relacionado com a aprovação do Hospital CUF Tejo, em Alcântara, e pediu a demissão da liderança da Sociedade de Reabilitação Urbana Lisboa Ocidental (SRU), a que presidia desde 2018.
A informação foi transmitida por Fernando Medina aos vereadores durante a reunião da Câmara de Lisboa desta quinta-feira, apesar de o pedido de Salgado já ser de meados de Janeiro. O presidente da autarquia aceitou a demissão e vai nomear uma nova presidência para a SRU, que tem a seu cargo os mais avultados investimentos do município.
“Fui constituído arguido no âmbito de um processo cuja investigação incide sobre o impacto na paisagem do Hospital CUF Tejo”, escreveu Manuel Salgado na carta de demissão que enviou a Medina a 12 de Janeiro e à qual o PÚBLICO teve acesso. “Entendo que este é o procedimento correcto a adoptar, sem que isto envolva o reconhecimento da prática de qualquer acto ilícito, que rejeito veementemente.”
Quando abandonou a câmara para assumir a presidência da SRU em exclusivo, no Verão de 2019, Manuel Salgado admitiu numa entrevista ao Expresso que o hospital tinha um “impacto volumétrico excessivo” e que “não o teria aprovado” naquele momento.
O inquérito judicial teve origem numa queixa feita há cerca de um ano e em causa estão os potenciais crimes de prevaricação e violação de norma urbanística. Salgado, que não foi confrontado pelo Ministério Público com suspeitas de ter recebido vantagem pela aprovação do projecto, já foi chamado a prestar declarações no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa e remeteu-se ao silêncio.
O processo encontra-se em segredo de justiça e há mais arguidos. O crime de violação de normas urbanísticas é punível com uma pena de prisão até três anos ou com multa. A prevaricação pode resultar numa pena até cinco anos de prisão.
Contactado pelo PÚBLICO, o ex-vereador diz apenas que as decisões relativas ao hospital não são da sua exclusiva responsabilidade, porque o processo foi votado em reunião de câmara, e que, por uma questão de lógica, todos os vereadores que votaram a favor deviam ser constituídos arguidos.
“Será em sede própria, no momento oportuno, e pelos meios que se encontram ao meu alcance, que me irei defender, repor a verdade dos factos e reagir contra atentados à minha honra e bom nome”, garante Manuel Salgado na sua carta de demissão.
Em resposta ao PÚBLICO, a CUF “confirma ter conhecimento da existência de um processo”, mas não esclarece se alguém do grupo foi constituído arguido. “A CUF está absolutamente convicta de que desenvolveu o projecto do novo Hospital CUF Tejo de acordo com todos os trâmites legais previstos, tendo este sido objecto de amplo escrutínio e de aprovação em várias instâncias pelas entidades competentes”, acrescenta fonte oficial. “A CUF está, como sempre esteve, totalmente disponível para apresentar todos os esclarecimentos necessários às autoridades competentes, e plenamente convicta de que todos os factos serão rigorosamente clarificados.”
O projecto de arquitectura do novo hospital, da autoria de Frederico Valsassina, foi aprovado pela câmara em Junho de 2016, quando Fernando Medina já era presidente, com os votos a favor do PS e do então vereador do PSD, Fernando Seara, que divergiu dos seus dois colegas de bancada, que se abstiveram. O CDS também se absteve e o PCP votou contra. Todo o processo passou ainda pela assembleia municipal. O PÚBLICO não conseguiu chegar à fala com o arquitecto Frederico Valsassina.
Na reunião desta quinta-feira, Medina disse ter aceitado a demissão com “relutância e tristeza”, porque “esta também não decorre de qualquer obrigação legal ou ética – muito menos do reconhecimento de qualquer incorrecção –, mas sim da profunda degradação que o debate no espaço público atingiu”.
Salgado também se refere a isso na carta. “A politização da Justiça, sendo os meios judiciais, que se destinam à defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, abusiva e erradamente utilizados como arma de arremesso político, as redes sociais como fontes de inspiração dos media, o clima de suspeição permanente, os julgamentos na praça pública e a manipulação da informação criam um clima e uma cultura que afastam da causa pública quem não esteja disponível para jogar este ‘jogo'”, escreve o arquitecto.
Manuel Salgado foi vereador do Urbanismo durante 12 anos até que, em 2019, anunciou a sua saída para dar lugar a Ricardo Veludo. Já então era presidente da SRU Lisboa Ocidental, uma empresa municipal que se vocacionou na gestão das grandes empreitadas municipais, tendo a seu cargo a construção de habitação, creches, escolas e centros de saúde, entre outros. A sua continuidade na liderança da empresa foi sujeita a votos na autarquia e acabou por ser garantida por Teresa Leal Coelho, vereadora do PSD.
“Quero neste momento deixar-lhe expressão de profundo reconhecimento, como lisboeta e como presidente da câmara, pela significativa marca de modernização e transformação que o seu pensamento e acção trouxeram à cidade”, afirmou Medina na reunião para que constasse em acta. Ao PÚBLICO, o autarca disse lamentar a decisão do seu ex-vereador. “A cidade deve muito ao trabalho e empenho do Manuel Salgado e continuaremos a contar com a sua reflexão e o seu conhecimento”, afirmou.
O Hospital CUF Tejo esteve envolto em controvérsia muito antes de qualquer construção ter começado. O terreno em que está implantado, conhecido como “triângulo dourado”, foi vendido pela câmara em hasta pública em 2015 ao grupo José de Mello, dono dos hospitais CUF, por mais um euro do que o preço-base, de 20.350 milhões de euros. Na altura, o PSD denunciou que a apreciação do projecto para o hospital decorria desde 2013 nos serviços de Urbanismo.
Mais recentemente, com a obra já a encaminhar-se para o fim, ouviram-se críticas ao seu impacto visual em Alcântara e na vista a partir do miradouro do Largo das Necessidades, de onde deixou de se ver o Tejo. Salgado chegou a dizer, embora sem especificar como, que, uma vez concluído o hospital, o impacto nas vistas não seria tão grande como suspeitavam os críticos.
Antes de Manuel Salgado, também as suas antecessoras no pelouro do Urbanismo, Eduarda Napoleão e Gabriela Seara, foram constituídas arguidas pelo Ministério Público por decisões que tomaram enquanto vereadoras. Ambas acabaram por ser ilibadas.
A SRU vai passar a ser liderada por Inês Ucha, até aqui vogal do conselho de administração, que será ainda composto por Jorge Lavaredas e António Furtado, que é director municipal de Gestão Patrimonial.