Precariedade e baixos salários dominam prática em arquitectura, conclui inquérito laboral

Conclusões do inquérito promovido entre Abril e Maio do ano passado pelo Movimento dos Trabalhadores em Arquitectura reiteram o peso dos falsos recibos verdes e das baixas remunerações no sector.

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Adriano Miranda

O trabalho em arquitectura é “altamente precarizado”, com um peso notório dos falsos recibos verdes entre os 87% de trabalhadores dependentes e um salário médio mensal de 870,75 euros, cem euros abaixo da média nacional apurada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2018.

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O trabalho em arquitectura é “altamente precarizado”, com um peso notório dos falsos recibos verdes entre os 87% de trabalhadores dependentes e um salário médio mensal de 870,75 euros, cem euros abaixo da média nacional apurada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2018.

Estas são conclusões do Relatório do Inquérito aos Trabalhadores em Arquitectura, feito entre 14 de Abril e 17 de Maio de 2020, na primeira fase da crise epidémica, e divulgado esta quarta-feira pelo Movimento dos Trabalhadores em Arquitectura (MTA), que promoveu o estudo.

O desrespeito pela lei laboral quanto ao pagamento de subsídios de férias e de Natal, que afectou 39% dos inquiridos, é outra das conclusões do relatório, integralmente disponível no site do MTA.

O inquérito recebeu 555 respostas, das quais 536 foram consideradas válidas, e foi organizado em duas partes: a primeira debruçou-se sobre a caracterização do trabalhador e da sua situação laboral, e a segunda procurou identificar as consequências provocadas pela crise da covid-19.

Em termos de ocupação profissional, 78% dos indivíduos que responderam ao inquérito são arquitectos de profissão, seguindo-se estagiários, num total de 14% das respostas. Actividades conexas como as de desenhador, maquetista e medidor orçamentista representam 2% dos inquiridos.

Os trabalhadores que responderam ao inquérito são maioritariamente assalariados, com a grande maioria (63%) a declarar exercer a sua actividade profissional como trabalhador por conta de outrem, em regime de exclusividade. Nove por cento disseram ser em simultâneo trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes, e 22% declaram-se trabalhadores independentes.

Todavia, apenas perto de metade dos assalariados (47%) possui um contrato sem termo, o tipo de vínculo que garante condições de estabilidade, segurança e protecção social em caso de despedimento, sublinha o relatório do MTA.

Analisando os dados dos que se declararam trabalhadores independentes, conclui-se que 67% concentram toda a sua actividade num só beneficiário, o que desmascara, segundo os autores do relatório, “um peso notório” dos falsos recibos verdes no sector. Dada a percentagem de trabalhadores independentes que declararam ter pelo menos metade dos seus rendimentos dependentes de uma só entidade (10% das respostas), o relatório considera que “é questionável” até que ponto estes profissionais podem também ser considerados independentes.

Tendo em conta o universo apurado de trabalhadores por conta de outrem, falsos recibos verdes e trabalhadores independentes com actividade para um só beneficiário, o inquérito aponta para um cenário de 87% de trabalho dependente, com apenas sete por cento dos inquiridos a corresponderem, de facto, a trabalhadores independentes (com trabalho para vários beneficiários).

Seis por cento disseram não possuir qualquer vínculo declarado com entidade empregadora.

Do universo de trabalhadores por conta de outrem, 81% responderam ter um contrato de trabalho com o empregador (contrato sem termo, contrato a termo certo ou contrato a termo incerto), prevalecendo os contratos sem termo (47%). De destacar ainda a percentagem de 15% de inquiridos com contrato de estágio ou apoiado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).

Dos que se declararam trabalhadores independentes, 43% reconheceram-se como falsos recibos verdes e 24% dizem desenvolver 100% da sua actividade para um só beneficiário, o que perfaz um total de 67% de trabalhadores que dependem financeiramente de uma só entidade.

Dos inquiridos que disseram ter uma situação laboral mista, 51% têm contrato sem termo, e 29% têm um contrato a termo certo.

No que respeita à situação salarial, o inquérito apurou que 79% dos inquiridos recebem um salário bruto mensal inferior a 1065 euros. Com salários entre os 1066 e os 1225 euros estão 11% dos profissionais que responderam ao inquérito; acima deste valor, 1225 euros, há apenas 10%, e a percentagem desce aos 5% para salários brutos superiores a 1425 euros.

Relativamente aos subsídios de Natal e de férias, 39% responderam não receber, e 61% declararam ter recebido. Dos que não receberam, tendo em conta o tipo de vínculos e o modo de prestação da actividade, as respostas abrangem 23% dos trabalhadores por conta de outrem; entre os falsos recibos verdes, esta percentagem sobe para 91%. Nos trabalhadores sem vínculo, 85% não receberam qualquer subsídio.

“No caso dos trabalhadores por conta de outrem, se por um lado a atribuição do subsídio de refeição não está assegurada no Código do trabalho e depende do estipulado no respectivo contrato (...), a atribuição de subsídio de férias é um direito consagrado, pelo que a existência de trabalhadores que declararam não [o] receber (...) é reveladora do incumprimento de direitos laborais básicos”, lê-se no relatório.

Verificou-se ainda que dois por cento dos trabalhadores que responderam ao inquérito declararam “não auferir qualquer remuneração, facto que evidencia a existência de situações laborais ilegais”, prossegue o documento.

O inquérito apurou ainda que existe distinção salarial de género e que nos escalões remuneratórios mais elevados predominam os trabalhadores do sexo masculino, enquanto apenas três por cento do total das mulheres que responderam ao inquérito se encontram nos escalões entre os 1425 e os 2368 euros de salário.

O MTA destaca que “os valores dos salários brutos declarados” no inquérito permitem apurar uma “média salarial mensal (...), para os trabalhadores em arquitectura, (...) de 870,75 [euros], ficando este valor cerca de 100 [euros] abaixo do salário médio bruto mensal nacional, segundo os dados mais recentes publicados pelo INE (2018)”.

O impacto da pandemia

Quanto à pandemia, e às medidas tomadas pela entidade empregadora após ter sido decretada a obrigatoriedade do teletrabalho, as respostas apontam que o encerramento de instalações abrangeu 80% dos inquiridos. Embora a maioria (74%) tenha revelado estar em regime de teletrabalho, 20% afirmaram fazer deslocações pontuais ao escritório e um por cento declarou estar em regime de rotatividade.

Apenas cinco por cento dos inquiridos garantem que foram tomadas todas as medidas de segurança e higiene no local de trabalho.

Apesar de a maioria dos inquiridos (73%) afirmar não ter havido alterações ao seu salário bruto, 14% revelou ter sofrido uma redução de salário. Oito por cento dos trabalhadores responderam não ter actualmente garantida qualquer remuneração e ainda cinco por cento optaram pela resposta “outra”, ou seja, sofreu uma perda de remuneração que não se encontrava discriminada nas opções de resposta, o que perfaz um total de 27% de trabalhadores com perdas de salário, no contexto da pandemia. A redução de salário correspondeu, na maioria das situações, a pelo menos um terço do valor.

Relativamente ao período inicial da crise sanitária, segundo os dados recolhidos não foram disponibilizados os meios mínimos para o teletrabalho a três quartos dos trabalhadores. A grande maioria, segundo o relatório, ficou com o encargo de assegurar os meios para garantir a actividade, tendo de assumir as responsabilidades do empregador explícitas na lei, nomeadamente as despesas decorrentes da função e a supressão do subsídio de alimentação. Apenas 2% dos inquiridos declararam que todos os meios (software, hardware, equipamento e despesas) lhes foram disponibilizados pela entidade patronal em situação de teletrabalho.

Ainda no âmbito da crise sanitária, à data de encerramento do inquérito (17 de Maio), 6% dos trabalhadores encontravam-se em regime de layoff e 5% tinham sofrido uma redução no horário de trabalho, enquanto 7% declararam não lhes ter sido renovado o contrato de trabalho ou terem sido alvo de despedimento.

A falta de garantia do cumprimento de normas de higiene e saúde nos locais de trabalho, a sugestão de burlas ao Estado com sobreposição de teletrabalho e assistência a dependentes, situações de violência moral sobre mulheres gestantes são outros fenómenos detectados pelo inquérito.

Através dos canais abertos pelo MTA, o movimento refere que nesta nova fase de confinamento continuam a ser reportados actos de coacção de diversa natureza sobre estagiários e arquitectos, como despedimentos ilegais, corte indevido de subsídios e incumprimento de obrigatoriedade de teletrabalho, com muitos escritórios a manterem o trabalho presencial.