Falta de vacinas prolonga 1.ª fase até Abril. 70% da população vacinada até Setembro (salvam-se 3500 vidas)

Se a vacinação ocorrer como prevista, “salvamos 3500 vidas até ao fim de Setembro”, ao contrário do que aconteceria sem vacinas, afirmou o especialista Henrique Barros.

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A vacinação em Portugal arrancou a 27 de Dezembro Nuno Ferreira Santos

A primeira fase do plano de vacinação contra a covid-19 deverá ser prolongada até Abril, por falta de vacinas. Vive-se “um momento de estrangulamento na capacidade de [produção de] vacinas”, explicou o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, coordenador da “task force” para a vacinação, esta terça-feira, na reunião que juntou peritos e políticos no Infarmed, em Lisboa.

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A primeira fase do plano de vacinação contra a covid-19 deverá ser prolongada até Abril, por falta de vacinas. Vive-se “um momento de estrangulamento na capacidade de [produção de] vacinas”, explicou o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, coordenador da “task force” para a vacinação, esta terça-feira, na reunião que juntou peritos e políticos no Infarmed, em Lisboa.

Apesar das dificuldades na produção, Gouveia e Melo afirma que Portugal deverá conseguir ter 70% da sua população vacinada até ao final de Agosto e “toda ainda este ano”. 

“Nos dois grupos que temos na primeira fase, estão reunidas cerca de 1,14 milhões de pessoas” e, no segundo grupo, 235 mil pessoas. “Não vamos conseguir, com as vacinas que temos, terminar a primeira fase antes de 31 de Março. Vamos prolongar para Abril este período com as vacinas que estão disponíveis”, afirmou Gouveia e Melo, que assumiu o cargo há menos de uma semana, após a demissão de Francisco Ramos. O problema, sublinha, está relacionado com as dificuldades no acesso às vacinas e não com questões relacionadas com a sua distribuição ou administração já no país.

No primeiro trimestre é expectável que se consigam dois milhões de doses de vacinas, apesar de ter havido menos entregas do que aquelas que tinham sido definidas nos contratos. Já foram administradas 400 mil vacinas em Portugal e há 60 mil em reserva – destinadas às segundas doses, caso as vacinas não cheguem a tempo a Portugal ou para o caso de “o fluxo de vacinas se quebrar”.

“A percentagem das vacinas aplicadas é muito elevada e só não é mais elevada por uma questão de segurança em relação às segundas doses”, afirmou Gouveia e Melo – isto equivale a 294 mil primeiras doses administradas e 106 mil pessoas que já estão completamente vacinadas com as duas doses.

Salvar 3500 vidas

Após a dura intervenção de Manuel Carmo Gomes – que pediu, na reunião do Infarmed, medidas severas tomadas em tempo real –, o também epidemiologista Henrique Barros abordou o efeito da vacinação nos internamentos e na mortalidade.

“O que nos interessa hoje é pensar como é que uma política de vacinação pode ajudar a atingir aquilo que todos nós esperamos: conseguir modificar o modo de vida a que a epidemia nos obrigou de forma a abandonar as medidas” restritivas, começou por dizer Henrique Barros. “Pressupomos que 70% da população portuguesa estará vacinada até ao final de Setembro”, afirmou. Esta previsão foi reforçada pelo coordenador do plano de vacinação contra a covid-19 em Portugal, Gouveia e Melo, que acredita que se consiga chegar aos 70% mais cedo, até ao final de Agosto. 

Utilizando um modelo que tem em conta os internamentos, o número de pessoas em unidades de cuidados intensivos, o número de óbitos e a vacinação, há duas hipóteses de “eficácia vacinal”: 70% ou 90%. No primeiro cenário relativo à velocidade de vacinação, dois milhões estarão vacinados até ao final de Abril e outros cinco milhões até ao final de Setembro; ou, no segundo caso – “uma alternativa que podemos não conseguir” –, que quatro milhões estejam vacinados até final de Abril e mais três milhões até final de Agosto.

Com uma eficácia vacinal de 90% com um ritmo à velocidade prevista, há muitos “ganhos” em saúde. Se a vacinação ocorrer como prevista, “salvamos 3500 vidas até ao fim de Setembro”​, prevê Henrique Barros, que preside ao Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.

“Não faz sentido imaginar variantes que escapem à vacinação”

Quando a campanha de vacinação contra a covid-19 começou em Portugal (27 de Dezembro), o especialista refere que cerca de um milhão de pessoas já estaria imunizado por ter sido infectado com o coronavírus SARS-CoV-2 – isto numa perspectiva “muito conservadora”, já que é possível que tivessem sido mais e que o valor rondasse os 1,5 milhões. Presume-se ainda que havia 20 mil indivíduos com infecção activa e que não há reinfecção nos primeiros seis meses após a infecção.

Para Henrique Barros, houve dois grandes momentos no país relativos à covid-19: a primeira fase, em Março e Abril de 2020, e esta fase, em 2021, sobretudo no mês de Janeiro. Há uma grande diferença na escala dos casos: antes rondava os 1000 casos diários; nesta fase, esteve na ordem dos 10 mil diários. “A subida foi muito mais lenta, há uma fase inicial de descida [com o confinamento de dia 15 de Janeiro], que depois é acelerada com mais medidas, nomeadamente interrupção da actividade escolar. Agora, há uma descida a 11% ao dia.” Isto pode dar a entender que o confinamento foi cumprido pelos portugueses, interpreta o especialista.

O valor da transmissibilidade e de novos casos depende de um conjunto de factores e o que muda agora é a vacinação: “Vamos tentar mexer com a vacinação no número de [pessoas] susceptíveis”, diz, argumentando que há medidas que levam ao aumento de casos, mesmo que os outros factores não se modifiquem – como as variantes do coronavírus SARS-CoV-2. “Neste momento, não faz sentido imaginar variantes que escapem à vacinação”, assegurou o especialista em saúde pública.

Carla Nunes: confiança dos portugueses na vacina tem subido

A directora da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, Carla Nunes, começou a sua apresentação na reunião do Infarmed, centrada na análise das percepções sociais sobre a covid-19 e mortalidade em contexto hospitalar, considerando que houve “piores comportamentos” na época de Natal e Ano Novo, algo que foi corrigido nas últimas semanas.

“Por exemplo, na [questão sobre a] frequência de saída de casa sem ser em trabalho, na quinzena que terminou a 11 de Dezembro tínhamos 35% das pessoas a dizer todos os dias ou quase todos os dias. Temos agora, a mais recente quinzena em análise, 15%. Na distância de dois metros na saída de casa tínhamos valores [nas categorias de ‘algumas vezes’ e ‘nunca] na ordem dos 20% a 8 de Janeiro e temos agora 13% a 5 de Fevereiro”, explicou. 

Carla Nunes analisou ainda a evolução da confiança dos portugueses relativamente à vacina, explicando que este indicador é medido de duas formas: a percentagem de pessoas disponíveis para serem inoculadas assim que possível e a sua opinião relativamente à segurança e eficácia destes medicamentos.

“Desde 14 de Novembro tínhamos um comportamento constante, mas desde aí tem havido um ganho na confiança relativamente à vacina. Temos aqui, no tomar assim que esteja disponível, 20% a 13 de Novembro e neste momento, a 5 de Fevereiro, 75% dos portugueses a dizerem que tomam a vacina assim que esteja disponível. Em termos da confiança, na categoria do ‘pouco ou nada’ tínhamos 55% a 13 de Novembro e temos 12% a 5 de Fevereiro. São valores muito positivos, concordantes ou melhores quando comparados com a literatura internacional”, explicou Carla Nunes. 

Portugueses perdem, em média, 39,82 anos de vida por cada dez mil habitantes

Portugal tem um valor de 39,82 anos de vida potencialmente perdidos por cada dez mil habitantes, adiantou também Carla Nunes, na apresentação que fez. A especialista relativizou este valor, mostrando que Espanha e Inglaterra têm valores semelhantes ao português. Noruega é o país com menor valor neste indicador, que mereceu uma explicação detalhada da especialista. 

“Existe uma esperança média de vida definida para cada um dos países. Gostava de referir que Portugal e França são os dois países deste grupo [de países europeus] onde existe maior diferença na esperança média de vida entre homens e mulheres. A Noruega é o país onde este valor é mais próximo. Este indicador calcula a idade no óbito e a esperança média de vida. O valor dessa diferença é o valor dos anos de vida perdidos e é a soma de todos os anos potencialmente perdidos por todas as pessoas que morreram abaixo da esperança média de vida que se chama os anos de vida potencialmente perdidos de uma determinada doença”, explicou.