45 anos depois do assassinato de Max e Lurdes
Este artigo é um apelo. Certamente, muitos cidadãos vão assinalar os 45 anos da Constituição, também a 2 de abril. Antes disso, e até para isso, podemos recordar Max em homenagem nacional.
A 2 de abril próximo, passam 45 anos da data em que o sacerdote católico Maximino Barbosa de Sousa e a estudante Maria de Lurdes Correia foram mortos à bomba, com a explosão do automóvel onde seguiam, na Cumeeira, de regresso a Vila Real, depois de aulas na Casa do Povo da freguesia onde alfabetizavam gratuitamente adultos em horário noturno.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A 2 de abril próximo, passam 45 anos da data em que o sacerdote católico Maximino Barbosa de Sousa e a estudante Maria de Lurdes Correia foram mortos à bomba, com a explosão do automóvel onde seguiam, na Cumeeira, de regresso a Vila Real, depois de aulas na Casa do Povo da freguesia onde alfabetizavam gratuitamente adultos em horário noturno.
O Tribunal reconheceu em 1999, e disso lavrou sentença, que se tratou de um atentado organizado pelo MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), organização terrorista de extrema-direita criada por António de Spínola e Alpoim Calvão. Esta organização foi responsável por uma onda de violência no país em 1975 e 1976 contra o 25 de Abril, com centenas de atos terroristas, incendiando sedes de partidos de esquerda e de sindicatos, rebentando petardos junto de casas de antifascistas, vandalizando viaturas, tirando a vida a várias pessoas, entre nacionais e estrangeiras. Essa violência desabou sobre as conquistas de Abril que se articularam na Constituição da República, aprovada no mesmo dia em que Max e Lurdes foram arrancados à vida pela barbárie. Assassinados por mercenários que contavam, entre muitas cumplicidades, com a proteção da Espanha franquista.
É um facto que os autores morais e materiais do atentado, levados à Justiça, não foram condenados. A destruição de provas e a sabotagem de investigações devido à infiltração da extrema-direita bombista nas entidades de investigação, como se provou amplamente em vários casos judiciais, bem como um julgamento no ocaso do processo, explicam a dificuldade da sentença.
O padre Max era candidato nas listas da UDP por Vila Real nas eleições para a Assembleia da República que se vieram a realizar no 25 de Abril seguinte. Um candidato a favor da então nova Constituição. Parece ter sido esse o pecado a punir pelos bombistas. Que era “pecado” confirmou toda a hierarquia da Igreja, com especial destaque para o cónego Melo, de Braga. Saliento aqui a dor de vários jovens padres amigos de Max que se juntaram à vaga democrática na zona em que a extrema-direita julgou erradamente poder ser o seu feudo. Quando se formaram sindicatos agrícolas no Douro, muitos associados provinham das paróquias desses padres, onde eles dinamizavam uma resposta à semi-escravatura em que viviam os assalariados.
45 anos depois, muitas causas democráticas foram vencidas, mas a pobreza não. A subalternidade do interior do país também não foi vencida. E essas são as causas do êxodo das gentes do interior. O padre Max e a Maria de Lurdes eram de famílias de emigrantes em França. Max era naturalmente irmão da emigração. Esteve em França, conheceu de perto o levantamento do Maio de 68 e toda a utopia democrática veio com ele, migrante das ideias, para as faldas do Marão. As causas de Max mantêm atualidade, quando temos no quotidiano uma democracia que encurta e uma emigração forçada. Os contemporâneos de Max levantaram-se para resgatar o horizonte dos jovens. A sociedade plural, participada e o emprego local como futuro, aí está o manifesto pós Max mais pujante que podemos ter!
45 anos depois, o recrudescimento da propaganda reacionária no Portugal de hoje obriga a reflexões várias. Uma, e à cabeça, é não pactuar com a intolerância fascista, racista e sexista. Não pactuar com os elogios ao colonialismo e ao Estado Novo. Não aceitar a linguagem vulgar da xenofobia. A República não pode condescender com os inimigos proclamados da Constituição e tal exige separação política e reparação institucional.
A memória de Max tem tudo a ver com essa iniciativa republicana. Se há compromisso para a República que tem de ser feito é o da sua autodefesa constitucional. A urgência é agora, antes que se vejam herdeiros do MDLP no Parlamento a condicionar um qualquer governo.
Este artigo é um apelo. Certamente, muitos cidadãos vão assinalar os 45 anos da Constituição, também a 2 de abril. Antes disso, e até para isso, podemos recordar Max em homenagem nacional, a vontade indómita de levar a democracia mais além, o estremeção que falta para a agonia da política boçal. Invoca-se e convoca-se a memória. Ela é estridente. Ouçam, é o que se pede a todas as cores da democracia.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico