Aberto um caminho para incluir estuários e rias no combate às alterações climáticas

Agência Portuguesa do Ambiente diz que já foi dado o primeiro passo para que os sistemas marinhos venham a integrar o Inventário Nacional de Emissões de carbono.

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As florestas marinhas já iniciaram o caminho que pode fazer de Portugal um dos primeiros países a reconhecerem a importância destes ecossistemas no combate às alterações climáticas.

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As florestas marinhas já iniciaram o caminho que pode fazer de Portugal um dos primeiros países a reconhecerem a importância destes ecossistemas no combate às alterações climáticas.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) considera que o encontro técnico promovido recentemente pela Ocean Alive, organização não-governamental (ONG) portuguesa dedicada à protecção do oceano, com investigadores e representantes da agência, foi o ponto de partida para o processo de integração das áreas de pradarias marinhas e sapal no Inventário Nacional de Emissões. 

No encontro foram discutidos, pela primeira vez, os desafios e as possibilidades dessa integração dos ecossistemas marinhos, a par dos ecossistemas terrestres, com os investigadores participantes a defenderem que as florestas marinhas são importantes sumidouros naturais de carbono e, por isso, essenciais no combate às alterações climáticas.

A videoconferência teve a participação de elementos da APA, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), do Ministério do Mar, da Fundação Oceano Azul, e investigadores de vários centros de investigação marinha. A apresentação das várias temáticas foi liderada por um representante da APA, Paulo Canaveira, consultor sénior para as alterações climáticas.

No final, os representantes da APA concluíram que a iniciativa foi “um primeiro passo importante” para o início do processo necessário de reconhecimento. “Permitiu-nos identificar um conjunto de actores com informação de potencial relevo para desenvolvermos uma metodologia de reporte de emissões e sumidouros defensável no contexto internacional”, refere a APA em comunicado conjunto das instituições participantes em que são apresentadas as conclusões do encontro.

“O desafio que todos temos pela frente passa agora por assegurar que conseguimos identificar, sistematizar, organizar e completar essa informação de uma forma que permita a inserção destes sistemas no Inventário Nacional de Emissões”, acrescentam ainda os responsáveis da APA nesse comunicado enviado ao PÚBLICO.

Esta abertura da agência do ambiente surge na sequência da recomendação ao Governo para a inclusão das pradarias marinhas e dos sapais no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, feita no ano passado. O documento, com mais de 500 assinaturas de vários especialistas nacionais e estrangeiros, foi entregue pela Ocean Alive aos ministros do Mar e do Ambiente em Agosto 2020.

O interesse assumido pela APA é valorizado pela bióloga Raquel Gaspar. “É o melhor fruto desta reunião, conseguirmos ultrapassar esta barreira”, disse ao PÚBLICO a co-fundadora da Ocean Alive. 

A bióloga entende que o encontro foi “o primeiro passo” num caminho que a ONG vinha a apontar. “Ao lançar a recomendação, a Ocean Alive assumiu a figura de actor no desafio que passava para as mãos do Governo. Apercebemo-nos de que tínhamos de responder à falta de literacia sobre o tema do carbono azul. E, por outro lado, promover a conversa entre investigadores e órgãos técnicos do Governo com este objectivo: ultrapassar as barreiras que não permitiam o reconhecimento das pradarias e dos sapais como parte da estratégia nacional para a neutralidade carbónica”, disse Raquel Gaspar.

Para Ana Brazão, da Fundação Oceano Azul, que foi anfitriã do encontro, os resultados do encontro de técnicos “sublinham ainda mais a importância da preservação e valorização da biodiversidade e ecossistemas marinhos”.

Um sumidouro mais eficiente

O Roteiro para a Neutralidade Carbónica é a estratégia nacional para que em 2050 o balanço entre as emissões de gases com efeito de estufa e a sua remoção da atmosfera seja nulo em Portugal. O roteiro fixa os compromissos do país no quadro do Acordo de Paris de 2015, que tem como objectivo garantir que o aumento da temperatura média global do planeta, até ao final do século, não ultrapasse os 1,5 graus Celsius.

Em Portugal haverá 14 mil hectares de pradarias marinhas e sapal e que estas florestas marinhas serão responsáveis pelo sequestro de 17 mil toneladas de dióxido de carbono por ano, segundo a recomendação entregue ao Governo. Já as florestas terrestres sequestram entre nove e 12 milhões de toneladas a cada ano. Mas, se o peso total da flora terrestre é muito superior, as florestas marinhas são muitos mais eficazes a capturar os gases com efeito de estufa. A eficiência das pradarias é 35% superior à das florestas terrestres.

Estes cálculos, avisa-se na recomendação, são ainda apenas meros indicadores. “Estas estimativas são grosseiras, o país carece de uma avaliação mais precisa do potencial dos seus ecossistemas de carbono azul”, sublinha-se.

A cooperativa, que é pioneira em Portugal neste trabalho, tem tido foco no estuário do rio Sado que é o terceiro local do país com mais área de pradarias marinhas, com cerca de 30 hectares.

A ria Formosa, no Algarve, é o primeiro sistema português, com maior área de estuário e pradarias marinhas, seguido da ria de Aveiro (estuário do Vouga), que é o segundo. À importância do estuário do Sado, que está mais estudado, há ainda que somar na região de Lisboa o estuário do Tejo.

As florestas marinhas incluem zonas de sapal, pradaria marinhas e as florestas de algas e, de acordo com os especialistas, a degradação dos ecossistemas de carbono azul pode levar a que, em vez de serem sumidouros, se tornem em emissores, pelo que é necessário que haja uma avaliação, acompanhamento e salvaguarda destes habitats costeiros.